É bem certo que o mundo avança sem parar contemplando a humanidade com a descoberta de novos conhecimentos até há poucos anos contestados ou mesmo ignorados. Nasce assim uma dinâmica de vida que contribui para o progresso da Ciência do qual se aproveita o Homem primeiro obreiro dessa inspiração». Esta análise foi extraída de um artigo de opinião da autoria do meu pai publicado em 1994, mas, que podia perfeitamente ter sido escrito no momento presente. Estes avanços do planeta criam ‘ruído de fundo’, umas vezes por boas causas, outras pelos piores motivos. Enquanto cientistas procuram descobrir a cura das doenças ou a maneira de as evitar de que pouco se fala, veja-se o ‘ruído’ que se gera à volta de cimeiras mundiais onde se fala de guerras e se discute verbas astronómicas para fabricar armas e outros meios de destruição! E o mundo segue em frente a caminho do progresso. Nunca se volta atrás e já nada é como dantes. A internet chega a toda a parte e vai ditando as suas leis, a Inteligência Artificial começa a ganhar terreno e em nome da modernidade tudo é aceitável no comportamento humano. Solidariedade é uma palavra em vias de extinção, hoje substituída pela competitividade feroz onde ninguém respeita ninguém. Em Medicina há hoje muita informação. As consultas frequentes ao Dr. Google vieram interferir negativamente na relação médico-doente e criar enorme confusão entre os doentes. Há, pois, muito ruído à nossa volta. É essencial parar e fazer silêncio para ouvir o que é preciso ouvir. O silêncio também fala e tem um som próprio para ouvir nos momentos certos. E será que somos capazes de o ouvir na correria desenfreada da nossa vida? A famosa balada Sound of silence (Som do Silêncio) lançada em 1964 por Paul Simon e Art Garfunkel que todos conhecemos, é um convite à reflexão interior e realça a importância do silêncio para perceber o que é fundamental na vida do ser humano e que acaba por se perder no ruído ensurdecedor das coisas supérfluas do dia a dia.
A história que venho partilhar vem na sequência desta minha reflexão e fala por si.
Há já alguns anos conheci uma jovem na casa dos trinta anos num contexto especial relacionado com a doença grave da sua mãe e que viria a levá-la, apesar de todos os esforços médico-cirúrgicos para o evitar. Vi na Ana Rita (nome verdadeiro) uma filha exemplar não só pelo acompanhamento dado à mãe e pelo apoio ao pai, como também pela forma digna e corajosa como, aceitou este peso enorme que teve de suportar. Esta jovem era alegre, divertida, trabalhadora, sempre atenta aos mais necessitados com quem partilhava os seus conhecimentos e a sua experiência de vida. Firme nas suas convicções, inabalável nas posições que tomava, Ana Rita decidiu, em certo momento da sua vida, seguir a vida religiosa, concretamente na Congregação das Irmãs Clarissas. E assim aconteceu. De sua livre vontade e sem pressões de ninguém, a jovem preferiu trocar o ‘ruído’ do mundo pelo silêncio de outro mundo diferente, opção essa que, à luz dos critérios mundanos, é difícil compreender. De facto, também eu me interrogo: o que levará uma jovem nos dias de hoje a tomar esta espantosa decisão na sua vida? Desígnios de Deus.
Num final de tarde recente, o meu telemóvel tocou. Era a Ana Rita a convidar-me para a cerimónia solene da tomada de hábito: «Dr. Luís, fazia muito gosto que estivesse presente. É importante para mim». Nem sequer hesitei: «Conta comigo, Rita. Lá estarei com o maior prazer». E no dia 7 de junho do ano em curso, a Ana Rita passava a ser a Irmã Rita como ela tanto desejou. No final, familiares e amigos presentes foram convidados para os cumprimentos habituais noutro local, já em ambiente menos solene. Chegada a minha vez, tinha imensas perguntas para fazer e muito para lhe dizer mas não me saíam as palavras, nem conseguia ordenar as ideias. Num abraço fraterno recordei a sua mãe. Ainda consegui segredar-lhe ao ouvido: «A tua mãe está orgulhosa da filha que tem». Permaneci ali de olhos nos olhos, mão na mão, mas sem dizer palavra. Foi então, naquele momento, que ouvi nitidamente algo que falou mais alto. Um som suave e doce. O som do silêncio.
Médico