Xavier Viegas alerta para riscos de repetição de erros do passado

O uso dos aviões C-130 no combate aos incêndios, equipados com novos kits de lançamento de retardante, está a dividir opiniões. Enquanto o Governo garante que se trata de um reforço estratégico, há quem alerte para limitações operacionais e de adaptação

O anúncio do investimento na aquisição de dois kits modernos para equipar os aviões C-130 da Força Aérea na missão de combate aos incêndios em Portugal (ver texto ao lado) reacendeu o debate sobre a adequação e eficácia destes meios no contexto nacional. Apesar de serem aeronaves robustas e conhecidas pelo seu importante papel na aviação militar, a sua dimensão, peso e operacionalidade continuam a ser questionados, numa altura em que Portugal está a braços com incêndios no Norte e no Centro do país.

O diretor do Laboratório de Estudos sobre Incêndios Florestais, Domingos Xavier Viegas, que acompanhou operações com C-130 no passado, destaca que, do ponto de vista técnico, «apesar da idade, são aviões robustos» que, «com manutenção adequada, podem ficar praticamente novos, com zero horas de voo».

No entanto, Xavier Viegas mantém reservas substanciais sobre o seu uso em Portugal devido ao peso e dimensão do aparelho, agravados pela orografia nacional. Ao Nascer do SOL, explica que «Portugal, pelo relevo e pelas características dos incêndios, dificilmente tira partido de um avião deste porte». Acrescenta que a experiência passada revelou que o uso dos C-130 raramente ocorreu em condições ideais, pois «estes meios nunca devem atuar sozinhos, mas em parelha», para garantir uma cadência eficaz nas largadas, e tal não aconteceu no passado.

Além disso, o tempo de reabastecimento era longo, demorando até uma hora para o avião regressar ao combate, o que tornava as descargas muito pouco frequentes e, consequentemente, pouco efetivas.

Por outro lado, Xavier Viegas também lamenta que, por serem recursos dispendiosos, os C-130 foram habitualmente chamados ao combate às chamas tardiamente, quando os incêndios já estavam fora de controlo, reduzindo ainda mais a eficácia das ações.

Em sentido contrário, o especialista, conhecido pelo seu papel na análise dos trágicos incêndios de Pedrógão Grande, em 2017, frisa que seria preferível o uso de «meios mais ligeiros», com «maior frequência de largada», defendendo que «em vez de dois C-130, preferia ter quatro Canadair». Relembrou, por fim, que países como os Estados Unidos só conseguem utilizar este tipo de meios pesados devido a fatores geográficos e capacidades económicas que Portugal não possui, garantindo o uso de ‘frotas’ destas aeronaves – uma opinião que vai de encontro à informação partilhada pelo nosso jornal (ver páginas 10 e 11).

Além das opiniões técnicas, também circulam críticas ao investimento em C-130 no combate a incêndios, sugerindo que a dimensão e forma de operação destes aviões não se ajustam ao terreno montanhoso e aos incêndios de pequena escala predominantes em Portugal. Fontes ouvidas pelo Nascer do SOL criticam também a questão da evaporação da água largada a partir de grande altitude, expressando-se preferência por meios mais rápidos e adaptáveis, como helicópteros e aviões ligeiros.

Em resposta às perguntas do Nascer do SOL, o presidente da  Associação de Proteção Civil (APROSOC), João Paulo Saraiva, considerou: «Pretendem-se colocar os C-130 a combater incêndios e, em nossa opinião se for para a utilização de calda retardante terá eficácia, mas se for apenas para descarregar água não constitui qualquer mais valia. Recorde-se ainda que esta aeronave não é um hidroavião e não abastece no mar ou em rios, necessita de abastecer num aeroporto (e nem sempre há um por perto do incêndio), não aterra nem abastece num comum Centro de Meios Aéreos (CMA), contudo não nos podemos esquecer que foi anunciado por governantes o fim de vida destas aeronaves, argumento usado para a compra dos KC390 cujo outro dos argumentos para a aquisição era precisamente a aplicabilidade no combate a incêndios».