Um mundo outro

A importação pela China de um modelo de democracia como os nossos no Ocidente levaria de facto a China a uma convulsão de consequências apocalípticas para o mundo

Para o Álvaro Caneira

1. Visitem um mundo diferente. Façam turismo na China. Gozem os comboios de alta velocidade. Com carta de condução internacional podem alugar um automóvel sem condutor e viajar por onde bem entenderem. Verão in loco como é falsa a ideia de um povo oprimido e triste.

A China é enorme e diversa, geográfica e humanamente. A paisagem rural é belíssima, as autonomias florescentes, o povo acolhedor e curioso sobre quem os visita.

2. Cerca de 75% da população da China apoia o regime político. Apoiará o regime enquanto este garantir três condições: paz interna, defesa de uma invasão do exterior e continuidade do crescimento económico e do progresso social. Estes dados são de um inquérito de há uns anos conduzido pelo reputado Pew International Research Center (instituição de sondagens independente americana, baseada em Washington).. A população da China é, porventura, a população do mundo que mais de perto acompanha, critica ou aprova, a acção do Governo. Os Chineses são o povo que promove mais sondagens e inquéritos a nível nacional, regional e local. Inquéritos temidos pelo poder. Esta era uma tradição e uma prática a que também em Macau a nossa Administração tinha de estar atenta. 

3. O regime político da China não é uma ditadura, no sentido em que o termo se aplica aos regimes ditatoriais como os conhecemos no Ocidente. A cúpula da direcção política é o vértice de uma pirâmide eleita por 900 milhões de votantes! O regime de poder autocrático que governa a China é uma espécie de modelo imperial. Que era uma combinação do Legismo adotado pelo primeiro imperador para alcançar “riqueza e poder militar” e das regras e valores da moral confuciana, vertente sempre presente na tradição política chinesa. Legismo que era um mecanismo de governação… por recompensas e castigos, através de uma rigorosa centralização administrativa. Graças a esse regime draconiano a dinastia dos Qin unificou o território num único império, impondo à China antiga a experiência duma ditadura totalitária. A dinastia Han, que se seguiu a esse primeiro império fundador, passaria a adotar o confucionismo como ideologia do Estado, numa forma de governo que durante os dois milénios de regime imperial combinaria a moral confuciana com regras herdadas do legismo em matéria de centralização administrativa e de código penal. Até hoje.

Com a queda do império manchu, no termo de um longo e traumatizante período de decadência, a revolução socialista de Mao, para quem o primeiro imperador Qin Shiuangdi era o modelo político a imitar, promoveu a ditadura do proletariado, conceito importado do Ocidente, num estilo de governo de pura tradição legista , erradicando «as velharias» confucianas. O maoísmo quis acabar com os valores do confucionismo, mas não conseguiu. O que não se sabe agora se o capitalismo importado conseguirá…

4. Deng Xiaoping, importando do Ocidente o capitalismo e as suas liberdades económicas, transformou o regime numa espécie de social-capitalismo, extremamente eficiente, reabilitando a herança confuciana, enfatizando o ideal confucionista de harmonia social, enquanto erradicava o conceito de luta de classes. Xi Jingping veio designadamente para cumprir a necessidade de regulação enérgica da componente capitalismo, que lá como cá descarrilava. Reconduzindo-o ao caminho de prosperidade para realizar as proclamações de Deng: «Enriquecer é glorioso» e «Uns têm que enriquecer primeiro, mas todos têm que ter o seu quinhão». Supostamente no que Deng dissera ser o caminho para «um regime mais democrático do que o do Ocidente».

A componente da tradição legista não desapareceria, portanto, do regime politico chinês, e foi mesmo reforçada no controle dos direitos sociais pela utilização dos meios muito sofisticados, hoje ao dispor dos governos. Note-se que o slogan legista “riqueza nacional e poder militar” é hoje mais do que nunca emblemático para a administração chinesa.

5. Para Wang Huning, pensador político e ideólogo do regime, a democracia só pode ser totalmente realizada e o desenvolvimento garantido com um sistema político estável, sob o controle de um governo central forte, escreve no seu livro Vida Política. Huning aponta que o governo central deve passar de gerir a economia do micro para o macro e que, para o governo «manter a economia de mercado ordenada», é preciso manter o monopólio do partido na política, assim como manter as tradições sociais da China, com uma atitude vigilante em relação a movimentos culturais estrangeiros pelo seu potencial de destruir a base social e o controle do partido. 

A importação pela China de um modelo de democracia como os nossos no Ocidente levaria de facto a China a uma convulsão de consequências apocalípticas para o mundo. Evidência óbvia para o mais humilde chinês, mas que a abstrusa Presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, parece não perceber…