A Cátedra não traz certificado de capacidade

Continuamos na mesma: incapazes de se reformar, os partidos serão reformados pelo povo.

Portugal viveu, durante a maior parte do século XX, num regime de ‘catedratocracia’. Os ministros, devidamente despolitizados, como se desejava na ditadura, eram recrutados na universidade, revestidos da autoridade académica serviam sobretudo o regime.

Na passagem para democracia, poderia pensar-se que o país perdia esta cultura de ver a política como a ‘porca’ e querer mais dos agentes políticos do que sejam bons técnicos.

Vem isto a propósito de duas condutas polémicas de duas ministras de enorme prestígio e capacidade técnica: a ministra do Trabalho e a ministra da Administração Interna. Ambas extraordinárias académicas, ambas revestidas da autoridade e respeito pelos pares e ambas a revelarem pouca capacidade de gestão política.

No caso da ministra do Trabalho, apontou para as fraudes em mulheres que amamentam para além dos dois anos. Uma ministra apontar às mulheres que amamentam é abrir um flanco desnecessário, que a revelou insensível. Certamente que os problemas do país na legislação laboral (com vista a potenciar o investimento), bem como na fiscalização de situações de indignidade laboral moralmente abjetas (particularmente de imigrantes), são bem mais graves do que o número irrisório de fraudes na amamentação. Claro está, uma fraude é sempre grave, mas cabe ao sistema verificar da mesma, não deve ser o foco da ministra – muito menos no seu discurso político.

No caso da ministra da Administração Interna, a pouca habilidade na gestão dos problemas políticos dos fogos é angustiante. Sou admirador de Maria Lúcia Amaral, foi uma provedora de Justiça sensível e preocupada. Foi particularmente impressionante a sua coragem no caso do pacote legislativo que PS e PSD aprovaram em 2021, de modo a atacar os movimentos de cidadãos nas autarquias. Foi a ação da então provedora, que enfrentou sozinha os dois partidos centrais do regime, que impediu a tentativa de limitar, ainda mais, a cidadania nas autarquias. Alguém, intelectualmente honesto, poderá afirmar que a atual ministra teve alguma responsabilidade na organização do modelo de prevenção ou combate aos fogos deste verão? Alguém que ‘aterrou’ há poucos meses no cargo? Os seus erros não são senão de gestão e liderança política do problema, mas bastam para que lhe peçam a cabeça.

Os predicados técnicos e profissionais de ambas são inquestionáveis. O que está então errado?

Sempre que se forma um Governo, as equipas de comunicação fazem sair na comunicação social, para gáudio desta, o número de independentes que foram capazes de recrutar. Como a política é suja, são as próprias lideranças políticas que alimentam o fenómeno e dizem: ‘vêm, conseguimos ir para além da porca’? A capacidade do líder mede-se, também, na capacidade que tenha, ou não, de recrutar na sociedade civil.

No lugar de se reformarem, de se abrirem e captarem para o seu seio bons quadros, formando-os politicamente, os partidos continuam fechados, procurando ‘pescar à linha’, acenando com poder.

Este é, pois, apenas mais um dos muitos sintomas da espiral negativa dos atuais partidos na sociedade portuguesa. Continuamos na mesma: incapazes de se reformar, os partidos serão reformados pelo povo.