Os modelos híbridos podem somar qualidades dos elementos de origem ou podem destacar-se pela colecção dos defeitos. A expressão capitalismo de Estado, sendo aparentemente contraditória, deu origem a dois exemplos históricos, um promovido como correspondendo a uma soma de virtudes e outro como sendo uma soma de defeitos. O capitalismo de Estado de modelo soviético nunca encontrou o caminho para a ditadura do proletariado, bastando-se com o roubo da mais valia organizado pelo Estado e mal distribuído pela burocracia partidária. Já o capitalismo de Estado de modelo chinês soube combinar a liberdade económica do capitalismo, moderada por um forte papel de empresas públicas, grandes empregadoras de mão de obra, com o dirigismo político e e a supressão dos direitos políticos, definindo o Estado-Partido os sectores prioritários para a actividade privada.
A história atestou o fracasso do capitalismo de Estado soviético e celebra o triunfo económico e de desenvolvimento do capitalismo de Estado chinês. Refém do maniqueísmo, o Ocidente em perda olha invejosamente para o sucesso do modelo chinês. O olhar é mais intenso em épocas de crise económica ou pandémica, gabando-se a eficácia dos métodos chineses, dispensados dos luxos ocidentais do Estado de direito, separação de poderes, direitos fundamentais, pluralismo político e eleições democráticas e competitivas.
Faltava a imitação do modelo chinês em situação de crescimento económico, por pura vontade de crescer mais e mais depressa, para manter a distância possível da segunda maior economia do mundo e evitar que atinja o primeiro lugar. Já não. A Administração Trump II está a praticar um dirigismo económico em que sujeita os apoios públicos (subsídios ou autorizações regulatórias) ao pagamento de uma renda (15% do valor das exportações de microprocessadores para a China por parte da Nvidia ou da AMD). A justificação para aquilo que seria um imposto sobre as exportações encontra-se nas decisões da Administração Biden, por via do Chips and Science Act de 2022, que outorgaram 280 mil milhões de dólares de subsídios à investigação aplicada a semicondutores. O segmento do Chips Act relativo aos créditos fiscais outorgados pelo Governo Federal está a ser considerado como base para a sua transformação em capital social. No caso da INTEL esta transformação tornaria o Governo dos EUA no maior accionista, com cerca de 10% do capital social.
Ao arrepio do credo do Partido Republicano, Trump prepara uma nacionalização parcial de sectores fundamentais da economia (semicondutores, microprocessadores). Resta saber se será temporária, com alienação da participação pública num prazo razoável e o que acontecerá ao dinheiro dos contribuintes caso o investimento não seja recuperável. A intervenção do Estado nas empresas privadas pode vir a ser defendida como uma alternativa ao desmembramento das grandes empresas de tecnologia da informação e de inteligência artificial, recomendada por alguns dos reguladores sectoriais e por grande parte da doutrina defensora da concorrência.
Mais uma vez a imitação do modelo chinês é tentadora. O domínio global chinês no fabrico de painéis foto-voltaicos, baterias para veículos eléctricos e veículos eléctricos beneficiou de decisões do Governo central, estabelecendo prioridades de investigação e de investimento e disponibilizando recursos financeiros. Será este modelo replicável nos EUA? Com que custos financeiros (impostos, inflação), regulatórios (redução dos poderes dos reguladores independentes em benefício dos decisores políticos) e políticos (o alargar do poder do Estado federal)?
Em Portugal conhecemos bem os efeitos negativos da excessiva proximidade entre o Estado e a economia. Entre nós o rentismo tem-se traduzido no empobrecimento do Estado em benefício dos privados, na apropriação privada de bens públicos ou das rendas por estes geradas.