‘Olhem para o Ocidente!’

O que os chineses pedem ao Ocidente é que os deixe ser como são, tal como eles nos deixaram sempre ser e deixam ser como somos

1. «Existe um limite supremo a separar o Céu da Terra: Chineses de um lado, estrangeiros do outro. A única maneira de manter a ordem no mundo é respeitar este limite». (Qui Jun 1421-1495, depois da invasão mongol).

Apesar desse sentimento histórico defensivo profundo, que o documento que cito demonstra, a China abriu-se desde tempos imemoriais ao comércio e aos contactos com o estrangeiro. Não procurou os contactos, mas correspondeu às solicitações. Foi assim que negociou com um império romano fascinado pelos produtos chineses, designadamente a seda, cujo segredo de fabrico era zelosamente guardado. A Rota da Seda levou e trouxe intensamente. No tempo da dinastia mongol, o imperador convidou as grandes religiões a instalarem-se na China. Igrejas cristãs, nestorianas e depois católicas, foram muito cedo edificadas em Pequim. Lembremos os grandes jesuítas do Oriente, que depois de aprenderem o chinês em Macau (‘câmara de descompressão antropológica’) rumavam a Pequim. Mateus Ricci e o nosso grande Tomás Pereira, conselheiro de Kang Xi, um dos raros dignitários que frequentavam os aposentos privados do Imperador, com quem esteve na assinatura do tratado de paz com a Rússia (com uma versão também em português), o único país europeu com que a China entrou em guerra. 

A curiosidade do povo pelo outro que o visita é referida pelos inúmeros turistas estrangeiros que viajam pela China. Inversamente, com o seu progresso económico e social estonteante, a China é o país com maior número de turistas no estrangeiro.

Por outro lado, os chineses resistiram e reagiram sempre a intromissões coercivas do seu modo de ser e do seu modelo político. E durante séculos a China impediu a instalação de estrangeiros no seu território. A exceção foram os portugueses. E ali estivemos, durante centenas de anos, os únicos, num convívio singular e exemplar.

Entretanto o mundo mudou, a China mudou com ele e precisa mesmo dessa mudança que, aliás, lidera. O progresso alimenta-se da abertura, da interação e entendimento entre os povos. 

Há muitas razões para sermos amigos da China, tal como os chineses têm razões para serem nossos amigos, como continuam a ser. A diferença é que eles, com a relação singular que têm com a História, sabem e não esquecem, e nós nem chegamos a saber ou esquecemos. 

O que os chineses pedem ao Ocidente é que os deixe ser como são, tal como eles nos deixaram sempre ser e deixam ser como somos. Nunca um chinês, mesmo entre eles, quis levar o outro para o ‘melhor lugar do mundo ou da História’, que para eles não existe. O contrário, como se sabe, do que acontece no mundo outro que somos. Os chineses são a civilização menos proselitista do planeta. Nós passámos a História a querer impor ao outro, sempre que julgámos ter força para isso, a nossa visão das coisas e do mundo. Para negociar e conviver connosco, eles não exigem que adotemos o seu modelo político. E o que nos pedem é uma atitude recíproca, que nem sempre lhes é retribuída.

O último e acabado exemplo de intromissão imperialista ignorante é o da abstrusa Ursula von der Leyen. Ferindo gravemente os interesses dos Europeus.

* Proclamação de Deng Xiaoping no período das reformas políticas e económicas. Filho de pais abastados, ele próprio partiu para França nos anos 20 do século passado.