Era uma pessoa muito honesta, «muito verdadeira», como dizia. «Não consigo mentir, não consigo passar por cima de pessoas para atingir os meus objetivos», afirmou numa entrevista à Encena Agência de Atores, há 13 anos. Ao mesmo tempo, considerava-se muito simples. «Venho de uma família simples que me deu essas bases de honestidade. Tenho também um grande sentido profissional», acrescentou. E a verdade é que transitava facilmente do drama mais intenso para a comédia mais leve, desdobrava-se entre a televisão, o cinema e o teatro, e conquistava todos aqueles que consigo trabalhavam. Talvez porque sempre quis ser artista. Aliás, a sua paixão e vontade de seguir esse caminho era tanta que cortou relações com o pai quando saiu de casa, rumo ao Conservatório. E ainda bem que não o ouviu, pois seguiram-se 50 anos a fazer aquilo que mais gostava: representar.
O ator Luís Lucas morreu no domingo, aos 73 anos, no Hospital Santa Marta, em Lisboa, na sequência de um enfarte. A notícia foi avançada através de uma publicação feita no Facebook pela Academia Portuguesa de Cinema. «É com a maior tristeza que damos a notícia da partida do ator Luís Lucas, querido membro da Academia Portuguesa de Cinema», lê-se no texto que destaca o seu «legado inestimável para o teatro, o cinema e a televisão em Portugal». «Desde jovem, Luís Lucas demonstrou uma profunda paixão pelo palco. Formou-se no Conservatório Nacional e foi um dos membros fundadores do grupo Comuna – Teatro de Pesquisa, tendo trabalhado também com companhias como a Cornucópia, Cómicos, Teatro da Graça, entre outros. A sua versatilidade e rigor artístico marcaram várias gerações de atores e encenadores», acrescenta a Academia.
«Saí de casa porque queria ir para o Conservatório e ele (o pai) logicamente que não queria que eu fosse», confidenciou ao Encena. «No ano em que fiz esse curso, foi o ano da Reforma no Ensino, por isso, fizemos uma série de experiências com professores de várias escolas de teatro. Começávamos às 10 da manhã e acabávamos às 10 da noite», lembrou. «Era uma animação, uma alegria. Fui um sortudo nesse aspeto», contou. No entanto, não chegou a terminar a formação. «No ano em que o João Mota fundou a Comuna – 1972 -, convidou vários alunos para fazer parte. Eu sentia que aprendia muito mais a fazer festivais, porque não só fazíamos espetáculos para 600 pessoas, como víamos imensos espetáculos e conhecíamos imensas correntes teatrais», explicou. Segundo o ator, entretanto a Comuna recebeu um convite para ir ao Festival de Nancy com um espetáculo do qual fazia parte e, a partir daí, começaram as viagens: Polónia, Colômbia, Paris, Nova Iorque, Brasil. «Nós viajámos imenso com a companhia», reforçou.
Mas as suas raízes estiveram sempre no Cartaxo. «Passei os meus primeiros nove anos entre Lisboa e o Cartaxo, mas passava mais tempo no Cartaxo. Só vim para Lisboa quando o meu pai se casou pela segunda vez», revelou. Na mesma entrevista, o ator afirmou que sempre que podia ainda fugia para esse lugar. «Durmo de uma maneira completamente diferente no Cartaxo (…) Não é que aqui não se ouçam passarinhos, mas lá não se ouvem os carros. Portanto, tenho essa ligação à terra que não perdi. Não é assim uma coisa muito forte… Também sou uma pessoa muito citadina, urbana», admitiu.
No cinema, a Academia destaca as participações de Luís Lucas em obras como Alexandre e Rosa (1978), Ninguém Duas Vezes (1984), Um Adeus Português (1985), Aqui na Terra (1993), Longe da Vista (1998), A Passagem da Noite (2002), Dot.com (2007), Sombras Brancas (2023) ou O Vento Assobiando nas Gruas (2023). Em televisão, vimo-lo em séries e telenovelas, como em Duarte & Companhia nos anos 80, Médico de Família, Perfeito Coração, Equador, O Beijo do Escorpião ou Coração d’Ouro.
O período que mais gostava no teatro era o de ensaios. «O período de preparação, de descoberta, de improvisação, de encontrar o personagem dentro de mim», disse.
Luís Lucas foi ainda a inconfundível voz narradora de Conta-me Como Foi, série da RTP, e emprestou a voz à dobragem e locução em projetos de animação, séries e publicidade.
Os colegas lembram sobretudo a sua generosidade e dimensão humana.