Não há milagres. Todos os anos a Ponte 25 de Abril é atravessada por cerca de 53 milhões de veículos, em números redondos. Foi assim em 2017 e em 2013, por exemplo. É assim, afinal, desde a década de 90, dizem os dados do Instituto da Mobilidade e dos Transporte. O que significa que ninguém consegue acabar com o martírio dos automobilistas, que ali vivem um pára-arranca diário que consome tempo, saúde e dinheiro.
Por dia, cerca de 145 mil carros cruzam as seis vias da velha ponte, a esmagadora maioria em dois períodos lotados: início da manhã e fim da tarde. Em 2024, último ano de que existem dados completos, janeiro foi o mês mais calmo, a rondar 135 mil veículos diários. Julho e agosto foram os mais concorridos, com cerca de 156 mil e 155 mil.
Uma porta-voz da Lusoponte, consórcio luso-francês que explora a 25 de Abril desde 1996, declara-nos esta semana o óbvio: «Não há solução». Pelo simples motivo de que «a ponte não pode passar a ter mais do que as três vias que já tem em cada sentido». A empresa faz alterações ao trânsito de tempos a tempos, na avenida de acesso e no chamado «garrafão», para tentar vazar o tráfego. Mas o problema é crónico.
Por muito que se mexa, há um facto indesmentível que a porta-voz da Lusoponte assinala: a ponte está cansada. É um símbolo de Lisboa, e com ela existe uma relação quase afetiva, mas há muito que não dá resposta a tanto automobilista – e essa é uma entorse da própria infraestrutura. A única saída é a terceira travessia do Tejo. Mas será que vai mesmo resolver alguma coisa?
O engenheiro civil Fernando Nunes da Silva entende que não. Pelo menos, não aquela travessia com que o Governo quer avançar e que ligará Chelas ao Barreiro com um tabuleiro de seis vias para automóveis e outro de quatro vias para comboios – e eventualmente uma linha de metropolitano. A decisão foi anunciada pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, em 14 de maio do ano passado, na mesma ocasião em que decidiu que o novo aeroporto ficará localizado em Alcochete.
A ponte servirá também para ligar Lisboa a Madrid através de uma linha de alta-velocidade e inclui uma outra ponte Barreiro-Seixal. Os primeiros estudos devem ser conhecidos daqui a um ano. «A componente rodoviária é complementar às travessias existentes, pontes 25 de Abril e Vasco da Gama, cujo nível de serviço e fiabilidade estão em declínio», dizia o comunicado do Governo em maio de 2024.
Mas se a Vasco da Gama não aliviou a 25 de abril, o que é que garante que a nova travessia irá fazê-lo? «É evidente que não vai», responde-nos Nunes da Silva, que foi professor catedrático de Urbanismo e Transportes no Instituto Superior Técnico e vereador das Obras Públicas na Câmara de Lisboa. «Continuo a achar que é uma asneira fazer uma ponte rodoferroviária. Aquilo de que precisamos é de uma ponte ferroviária apenas».
Mais 60 mil carros
Quando a Vasco da Gama foi construída pela Lusoponte, entre 1994 e 98, dizia-se que iria descongestionar a 25 de Abril. É o que está escrito num decreto-lei de 15 de junho de 94, subscrito pelo então ministro das Obras Públicas, Joaquim Ferreira do Amaral. Há pouco mais de três anos, em fevereiro de 2022, quando a Mota-Engil e a Vince se tornaram donas de 100% do capital da Lusoponte, a primeira emitiu um comunicado a reafirmar que a Vasco da Gama «foi construída para aliviar o congestionamento de tráfego na ponte 25 de Abril e para promover o desenvolvimento da Margem Sul do rio».
Nunes da Silva discorda destas justificações. «Foi o que foi vendido politicamente para justificar o investimento, mas os próprios estudos de então indicavam que isso não era isso que ia acontecer. A travessia que tinha maior capacidade de captar tráfego era Algés-Trafaria».
Segundo o engenheiro, como a ponte Chelas-Barreiro inclui uma ligação Barreiro-Seixal, a parte de tráfego que estaria interessada em utilizar a terceira travessia já hoje é «perfeitamente servida» pela Vasco da Gama. Por outro lado, disse, «a ocupação do território que se deu no Seixal e em todo o concelho de Almada implica que as pessoas não vão dar uma volta enorme para utilizar a ponte Chelas-Barreiro».
Em relação a Lisboa, o traçado anunciado pelo Governo «terá um impacto absolutamente desastroso, porque vai trazer ainda mais carros para o centro da cidade». «Imagine-se o que é ter mais 60 mil veículos por dia na avenida central de Chelas, que depois vão para a Marechal Gomes da Costa, para a Estados Unidos da América e Segunda Circular na zona dos Olivais. É uma loucura».
Um túnel sob o Tejo
Nunes da Silva entende que «os problemas de trânsito na 25 de Abril só se resolvem com uma terceira travessia do Tejo, sim, mas terá de ser a ligação Algés-Trafaria». Não uma ponte, mas um túnel submerso que inclua transporte coletivo e transporte individual. «O engenheiro Pompeu Santos tem estudos feitos e uma patente registada. É possível a construção de túneis em zonas sísmicas e de solos pouco consistentes, como é o caso do estuário do Tejo. É a solução mais adequada do ponto de vista dos impactos ambientais e requer um investimento bastante menor».
O contrato de concessão da 25 de Abril e da Vasco da Gama termina em 24 de março de 2030 – apesar de se saber que este ano a Lusoponte processou o Estado para conseguir estender a concessão até janeiro de 2031, como forma de reaver o dinheiro perdido em portagens durante os meses da pandemia.
A concessão foi assinada em 1994, no que hoje pode ser visto como a primeira grande parceria público-privada em Portugal. Terá de ser o atual Governo a renegociar as condições da concessão. O ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, disse esta semana ao Nascer do SOL que «dado o prazo de vigência do contrato de concessão, não há ainda previsão de renegociação das condições em vigor».
Um comunicado do Governo em maio do ano passado indicava que o executivo pretende a «definição de um novo modelo de gestão para as três travessias do Tejo, que inclua a construção da terceira travessia». Na Assembleia da República, Pinto Luz disse há um ano que já tinha «equipas a trabalhar numa nova concessão que nomeadamente englobará a terceira travessia do Tejo».
É possível que a Lusoponte – cujo presidente é António Palma Ramalho, marido da ministra do Trabalho e da Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho – fique com as três pontes e a respetiva receita das portagens, a troco ser responsável pela maior fatia do financiamento da travessia Chelas-Barreiro.