Como é possível?

Parece que estamos a assistir a uma repetição de realidades passadas, do fim do regime do Estado Novo…

Penso que, com toda a justiça, a atenção dos média e, naturalmente, a nossa atenção, tem-se concentrado nas questões mais internas do país (os fogos e os imigrantes) mas também na política internacional (Gaza e Ucrânia). O que aconteceu em Portugal nos dias de agosto não tem classificação possível: como é possível?

Ano, após ano, temos assistido a um sem número de problemas crescentes que parecem não ter solução. De certa forma, parece que estamos a assistir a uma repetição de realidades passadas, do fim do regime do Estado Novo.

Evidentemente que a vida dos portugueses melhorou muito durante todo o período do Estado Novo: foram criadas escolas em todas as aldeias, as contas públicas entraram na ordem, a economia permitia uma busca de trabalho (quer dentro quer fora de Portugal). Porém, percebeu-se que a certa altura, os governantes isolaram-se de tal maneira dos portugueses e do resto do mundo.

A descolonização foi uma desgraça! Mais de uma década de guerras sem que parecesse haver uma solução terminou com a deportação de centenas de milhares de portugueses das antigas colónias. Alguns só eram portugueses porque tinham nascido em território colonial, mas na verdade eram moçambicanos ou angolanos que nunca tinham posto os pés em Portugal. Centenas de milhares de portugueses deixaram os seus pertences nas antigas colónias e tiveram de começar uma vida nova.

A saúde era inexistente! Quem tivesse a infelicidade de cair numa cama teria de procurar meios para contratar um médico. Sim! Não havia Serviço Nacional de Saúde e não se perspetivava a construção de um serviço. Cada patrão dava aos empregados algumas soluções, mas a maioria não tinha nada.

A escola era ainda para muito poucos! Se é verdade que ao final de cinquenta anos a maioria dos portugueses não era já analfabeto, também é verdade que aqueles que queriam continuar a estudar tinham de se valer dos colégios e dos seminários da Igreja. A esmagadora maioria dos portugueses não conseguia entrar na universidade.

Quando caiu o regime de Salazar já muitos portugueses cheiravam os ares de liberdade que começavam a brotar em toda a Europa e a prosperidade de economias tão pujantes como era a francesa, a suiça ou a alemã. Muitos imigraram para esses e outros países à procura de uma vida menos dura.

O que hoje nos está a acontecer é, a meu ver, o fim de um regime que durou cinquenta anos e que não poderá continuar a subsistir desta forma. Algo terá de mudar ou corremos o risco de ter de ser o povo a mudar com as suas próprias mãos, porque os governantes estão longe das expectativas dos portugueses.

Porque está hoje o setor privado na saúde e na educação a crescer tanto em Portugal? Porque é que estão a crescer os seguros de vida ou os seguros de saúde? E porque é que estamos a procurar planos de reforma?

Tudo isto acontece porque já não acreditamos nem na saúde pública, nem na educação, nem na segurança pública, nem no Estado social. Ora, é fácil de compreender: se não acreditamos que o Estado possa providenciar saúde, educação, segurança e proteção social na velhice, quer dizer que é o fim do Estado como o conhecemos atualmente!

Algo tem de acontecer de novo e não basta um remendo!