Pela madrugada, a empena de um prédio de três andares do Bairro da Graça, em Lisboa, desabou sozinha, sem precisar da ajuda de um terramoto ou sequer de uma ventania. Há 20 anos, a Câmara Municipal fez um levantamento e descobriu 1.800 edifícios em vias de colapsar, como este, para ao meio da rua.
Os presidentes de câmara e vereadores que por lá se têm entretido não acharam que o problema merecesse ser resolvido. Na capital de Portugal, de vez em quando, tomba um edifício, com a naturalidade com que, no século XVIII, eram despejadas para a rua urinas e fezes, acumuladas nos andares superiores em generosos penicos.
– Água vai!
Água vinha. Agora, prédio cai. Evoluímos.
Em 2011, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) estimou que, na Grande Lisboa, o próximo grande sismo porá em risco 334 mil habitações, onde vivem 600 mil pessoas. Pelo menos 25 mil prédios irão responder ao terramoto com um anunciado e revoltante colapso.
Bebés e crianças são os mais expostos ao perigo. Em Lisboa, em Setúbal e nas outras cidades todas do Ribatejo, Alentejo e Algarve, centenas de berçários e creches estão instalados nas caves e pisos térreos de edifícios gaioleiros, o nome dado pela Engenharia Civil às ratoeiras que um dia vão matar quem lá estiver dentro.
Não ocorreu a nenhum primeiro-ministro preocupar-se com isto. Mulheres com juízo, atestado por diploma universitário, conseguem assumir a pasta da Segurança Social e dormir descansadas.
O LNEC, num estudo encomendado pela câmara, declarou há cinco anos que 18 escolas básicas e secundárias são uma ameaça à segurança das crianças. Já mudou o Governo e o Executivo municipal, mas a discussão sobre quem deve pagar as obras continua.
A Itália aproveitou o PRR para alocar 800 milhões de euros à recuperação estrutural e energética de edifícios, com as escolas como prioridade. Em Portugal, o Governo de António Costa meteu 700 milhões do PRR na reabilitação energética. Deixou de fora o reforço antissísmico, num país que, a qualquer momento, vai voltar a sofrer um sismo como o de 1755, um dos mais violentos de que há registo histórico.
Especialistas de renome mundial, como Carlos Sousa Oliveira e Mário Lopes, andam, pelo menos desde António Guterres, a apelar aos Governos para, pelo menos, livrar as crianças do perigo. De há três anos a esta parte, tornaram público esse apelo, em entrevistas à TVI e CNN Portugal.
O jovem deputado Luís Montenegro foi informado em 2003, numa audiência à Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica. Mostrou-se «preocupado». Agora, tem mais o que fazer. André Ventura, José Luís Carneiro e os outros líderes da Oposição não vislumbram aqui razão para escrutinar o Governo. O Presidente da República prefere assuntos mais divertidos para comentar. Os candidatos a suceder-lhe, até agora, também não deram por nada.
Fez-se alguma coisa? Reforçou-se – e bem – a Assembleia da República. Já o futuro hospital central para o século XXI, que está a ser construído em Chelas, só vai beneficiar de isolamento de base, única tecnologia capaz de garantir o seu funcionamento a seguir ao grande terramoto, porque dois juízes do Tribunal de Contas, Miguel Vasconcelos e Nuno Coelho, emendaram a mão dos políticos.
Estamos de luto, municipal e nacional, pelos mortos e feridos de um elétrico de madeira que andou aos tombos, ladeira abaixo, no centro de Lisboa.
Eu também estou, há 15 anos, pelas vítimas evitáveis do futuro e pela absurda irresponsabilidade das nossas elites políticas.