Assisti no passado mês de junho a uma excelente peça teatral de Luís Francisco Rebelo – Alguém terá de morrer com uma magnífica encenação de João Mota e uma brilhante interpretação de Carlos Paulo, entre outros atores de alta qualidade. Resumidamente, o texto escrito há muitos anos mas que não perdeu atualidade, retrata, na perfeição, a sociedade atual onde se misturam injustiças, falta de humanidade, negócios obscuros, futilidades do dia a dia, problemas da adolescência, quando, de repente, o ‘destino’ bate à porta de uma família, na pele de um ‘desconhecido’, avisando que alguém terá de o acompanhar, não obstante todos o quererem evitar, pelo instinto natural do apego à vida. Apesar de se tratar de uma peça de teatro devidamente trabalhada para ser levada à cena, é o retrato fiel dos nossos dias e convida-nos a uma profunda reflexão.
Por ironia do destino, um mês depois, fomos bombardeados com a notícia de um acidente fatal que vitimou Diogo Jota e seu irmão André Silva. O caso, muito mediatizado, chocou-nos em especial e a meu ver por três motivos. Por se tratar de dois jovens com muito a esperar da vida, por serem figuras públicas, um dos quais, o Diogo, de reconhecido mérito internacional e pelo drama que caiu sobre todos os familiares, a partir de agora irremediavelmente marcados para o resto da vida. Ao abordar esta triste ocorrência, sirvo-me apenas de três palavras: Realidade, Solidariedade e Esperança. Realidade para dizer que a vida é mesmo assim. De repente e sem estarmos à espera, estas desgraças acontecem. A todos. E ninguém pode fazer nada para o evitar. Lido com frequência com situações destas na minha vida clínica e, diga-se o que se disser, a verdade é que nunca estamos preparados. É próprio do ser humano. A realidade é esta. Não somos donos da nossa vida, mas, estamos amarrados a ela. Solidariedade é uma palavra que vai caindo em desuso, mas, tão necessária como essencial na sociedade. Se não fosse a solidariedade o que seria destes pobres familiares? A onda de solidariedade que esta tragédia gerou à volta a todos os níveis apraz-me sublinhar e enaltecer Cristiano Ronaldo mostrou por que razão, além de futebolista de eleição é também um benemérito de excelência, continuando a acumular ‘tesouros no Céu’. O mítico Liverpool, um dos mais prestigiados clubes de futebol do mundo, veio provar que o seu hino You’ll Never Walk Alone (nunca caminharás sozinho) se ouve muito para lá de Anfield Road e não só em momentos de glória e de alegria. Tocou-me particularmente o seu procedimento, o exemplo máximo de solidariedade que a situação pedia. Na caminhada da nossa vida, nunca estamos sós e foi isso que o Liverpool demonstrou, não só com a deslocação a Gondomar de quase todo o plantel e dirigentes, como pelo apoio financeiro a conceder à viúva do jogador. Gestos bonitos em nome de uma solidariedade que a Vida nos merece e que o Mundo bem precisa. Finalmente, a Esperança que não se pode perder. Apesar da realidade ser como é, há que acreditar sempre no dia de amanhã. Procuro incutir sementes de esperança no espírito dos doentes, principalmente naqueles cujos prognósticos mais sombrios não deixam antever horizontes de vida muito animadores. Mas, enquanto há vida, tem de haver esperança!
Dirijo agora breves palavras aos pais Isabel e Joaquim e também à Rute, viúva de Diogo. Carlos Moedas, o carismático presidente da Câmara de Lisboa, em entrevista recente ao programa televisivo Alta Definição revelou, em jeito de confidencia, que a partida da sua mãe o tinha afetado profundamente, como, aliás, também sucedeu comigo. Porém, sente agora mais a sua ‘presença’ junto dele do que quando ela estava neste mundo. Com ela ‘fala’ e a ela ‘recorre’ nas alturas mais importantes da sua vida, trazendo-lhe conforto e paz. Oxalá o arrepiante testemunho deste homem grande vos sirva também de conforto e vos dê algum alento e a força necessária de que precisam neste momento dramático e tão doloroso.
No silêncio do coração, olho para a vida de forma serena e realista. Para quê as guerras, as lutas pelo poder, os jogos de bastidores, as corridas pelo dinheiro, se de um momento para o outro tudo se perde e tudo acaba? É urgente rever comportamentos, repensar mentalidades, olhar para as decisões a tomar e viver o dia a dia tranquilamente, um dia de cada vez.
Recordando Laureano Rocha, o saudoso poeta setubalense: ‘Débil Balão Esta Vida…/ Que se desfaz de repente / É a saudade sentida/ Que queima a alma da gente’.
(À memória de Diogo Jota e André Silva)