Num mundo marcado por conflitos, disrupções nas cadeias de abastecimento, pressão inflacionista e volatilidade tecnológica, Portugal tem condições singulares para se afirmar como porto de abrigo e plataforma de lançamento. A sua estabilidade política, pertença à União Europeia, ao euro e à NATO, o Estado de direito e uma sociedade cosmopolita oferecem previsibilidade num contexto internacional instável. Mas é na geografia – e na capacidade de a transformar em estratégia – que reside a maior vantagem: Portugal é ponte natural entre Europa, América e África.
No Atlântico, este triângulo ganha densidade. A rede de laços históricos com o Brasil e a CPLP, a diáspora vibrante e a proximidade às rotas do hemisfério sul conferem a Portugal uma vocação de conector: traduz culturas, mitiga riscos e acelera negócios. Os arquipélagos dos Açores e da Madeira projetam a presença marítima e científica; no continente, Sines destaca-se como o vértice operativo desta ambição.
Sines é hoje o principal porto de águas profundas da fachada atlântica ibérica, com capacidade para grandes navios e ligação ferroviária ao corredor europeu, encurtando distâncias logísticas para o interior da Península e o centro da Europa. No domínio energético, concentra ativos críticos: terminal de GNL que reforça a segurança de abastecimento do sudoeste europeu, infraestruturas industriais prontas para reconversão e espaço para novos vetores de descarbonização, como combustíveis sintéticos para a aviação e a navegação. As interligações elétricas reforçadas podem transformar Sines num ecossistema de energia limpa competitiva, ancorando indústria de baixo carbono e corredores verdes de transporte marítimo.
Mas Sines é também um hub de dados. O cabo submarino EllaLink liga diretamente Portugal ao Brasil, reduzindo latência e aumentando a resiliência das comunicações transatlânticas. A par de outras ligações que fazem do país porta de entrada de tráfego para África e para a América, cria-se uma malha de conectividade que sustenta a nova economia digital. É neste contexto que o campus de data centers em Sines, com arrefecimento eficiente e ambição de operar com eletricidade renovável, pretende oferecer capacidade de computação à escala europeia. A proximidade a cabos submarinos, a disponibilidade de energia e a estabilidade regulatória são argumentos decisivos para workloads de inteligência artificial, desde treino de modelos a inferência de baixa latência para mercados nos três continentes.
A IA é, de resto, o catalisador que liga energia e dados à produtividade. Portos inteligentes com algoritmos de previsão de chegadas e gestão de cais, manutenção preditiva de equipamentos, otimização de redes elétricas e integração de renováveis, monitorização ambiental e de incêndios, logística multimodal e cadeias de frio, saúde digital e turismo personalizado: o portefólio de casos de uso é vasto. Portugal alia centros universitários competitivos, um ecossistema tecnológico em crescimento e o quadro de confiança da regulação europeia (incluindo o AI Act), capaz de atrair investimento que privilegia ética, segurança e governança.
Há, porém, pré-condições. Temos de reforçar a rede elétrica e as interligações, concluir os corredores ferroviários de mercadorias, garantir energia previsível e a preços competitivos, formar e reter talento, assegurar habitação acessível e dotar o Estado de uma ‘via verde’ para projetos estratégicos. A cooperação público-privada, parcerias com universidades e uma diplomacia económica focada no Atlântico completarão o quadro.
O investimento em indústria de defesa, em especial Naval, onde os estaleiros de Viana do Castelo e Setúbal tem condições únicas para atrair investimentos para construção e manutenção naval, deve ser desígnio nacional.
Num tempo de incerteza, Portugal pode ser simultaneamente porto seguro e plataforma aberta ao mundo. Sines, como hub atlântico de energia, dados e IA, é a peça que permite transformar geografia em estratégia e visão em valor. Ao servir de ponte entre Europa, América e África, o país consolida resiliência, cria indústria limpa e exporta confiança – o ativo mais escasso da economia global.