A moda de Giorgio Armani morre com ele… ou antes dele?

A morte de Giorgio Armani não é apenas a despedida de um mestre, é a amargura de um tempo em que a moda perdeu coragem. Um adeus doloroso entre outros… e todos marcam a mesma ferida: casas sem alma numa indústria que troca grandeza por barulho.

A morte de Giorgio Armani não é apenas a perda de um criador. É o fechar de uma era onde a moda ousava ser silenciosa, disciplinada e, acima de tudo, elegante. Armani entregava poder às mulheres – e isso é mais do que criar power suits. Ele acreditava que um fato bem cortado dizia mais sobre autoridade e autonomia do que qualquer logótipo estampado a gritar nas ruas ou nas redes sociais. Foi o Senhor do “Quiet Luxury” muito antes do “Quiet Luxury” ser uma trend de Google ou termo indiscriminado em catálogos online. E, no entanto, quando o mundo se despede do mestre italiano, a pergunta impõe-se: será que a sua moda já tinha ficado para trás?

Porque, sim, a moda de hoje caminha na preferência de espetáculo em prol da substância. Vive de colaborações relâmpago, de desfiles pensados para Instagram, de “drops” e de buzz momentâneo. O luxo transformou-se em marketing. O que Armani representava – o rigor, a sobriedade, a arquitetura das linhas – soa a uma língua quase extinta.

E não é a primeira vez que a moda perde um gigante e, com ele, uma visão que parecia insubstituível. Alexander McQueen deixou-nos brutalmente cedo e com ele foi-se a moda como performance visceral, como teatro que emocionava e incomodava. Karl Lagerfeld, com todas as suas contradições, levava a Chanel a manter-se atual sem trair a sua essência. Cada uma destas mortes foi mais do que a perda de um criador: foi a perda de uma bússola.

Olhando para 2025, quem carrega agora esse legado? Demna joga com ironia e desconforto, mas é prisioneiro da sua própria caricatura. Pierpaolo Piccioli, talvez o último romântico, deixou a Valentino em março de 2024 após 25 anos, mas acreditamos na sua paixão pelo savoir-faire agora em Balenciaga. Já Phoebe Philo regressou incompreendida: acusaram-na de timidez, quando na verdade a sua linguagem é de excelência e de fidelidade a um rigor intelectual que poucos ousam manter. A maison Margiela, por sua vez, mostra vitalidade – a nova campanha com Miley Cyrus, a primeira com uma celebridade, é magnífica e prova que o espírito da Casa pode dialogar com a cultura pop sem perder a aura de mistério.

E na Dior, Maria Grazia Chiuri já é passado. Jonathan Anderson assume o cargo de diretor criativo, levando consigo a ousadia conceptual que já mostrou na Loewe – um nome que pode devolver frescura e profundidade à Casa francesa. Mas talvez a maior centelha de esperança venha de John Galliano, mesmo que ainda sem novo posto oficial. Antes de abandonar a Margiela, deixou-nos, em janeiro de 2024, uma Alta-Costura histórica: um desfile que reinventou a própria noção de couture. Uma obra-prima tão teatral e literária que, se fosse testemunhada por escritores, poetas e pensadores do século XIX, teria sido aplaudida como uma epopeia da modernidade.

E depois há a saída de Donatella Versace, que deu entrada a Dario Vitale, com histórico em Miu Miu e Bottega Veneta. Não é uma morte, mas sente-se como tal. Com Donatella desaparece a guardiã do ADN da Casa fundada pelo irmão – a exuberância barroca, o erotismo poderoso, a medusa transformada em estandarte de rebeldia e desejo. A Versace, sem Donatella, corre o risco de ser apenas mais uma marca, sem alma, sem voz própria.

E, no entanto, a sensação persiste: a moda, no seu centro, parece ter esquecido o que é bom – a qualidade, a durabilidade, a intemporalidade.

Nem tudo está perdido. Jonathan Anderson tem agora a responsabilidade de provar que a Dior pode ser mais do que decoração. Daniel Lee tenta devolver à Burberry uma sofisticação que não vive só do xadrez. E nomes emergentes, menos contaminados pelo barulho do hype, ainda ousam acreditar na beleza como resistência.

Mas a verdade é esta: com a morte de Armani, confirma-se uma sensação amarga – os grandes estão a ir embora e a moda contenta-se em fazer barulho. É o triunfo da superfície sobre a substância. E, talvez, a nossa maior provocação deva ser esta: a moda perdeu a coragem de ser grande.