Reconhecer o apartheid e o genocídio

A reboque de França e Reino Unido, Portugal reconheceu, finalmente, o Estado Palestiniano.

No actual contexto político internacional, esse reconhecimento assume um cariz de enorme relevância simbólica ao sinalizar uma exigência de justiça perante um dos maiores crimes da nossa era. Com efeito, o que Israel tem vindo a praticar, ao longo de décadas, é um regime de apartheid, sustentado na ocupação ilegal, na expansão incessante de colonatos e numa política sistemática de extermínio e limpeza étnica.

O bombardeamento de escolas e hospitais, a fome imposta como arma de guerra e o assassínio de civis inocentes não são “excessos” nem “danos colaterais”: são crimes contra a humanidade.

A comunidade internacional, durante anos, lavou as mãos, cúmplice, pelo silêncio e pela inércia, por cada criança morta em Gaza, por cada família expulsa da Cisjordânia.

O apartheid e o genocídio em curso não podem continuar a ser branqueados pela retórica da “autodefesa”.

É por isso imperativo que, mais do que palavras simbólicas, haja da parte da comunidade internacional a imposição a Israel de sanções políticas, económicas e militares, como de resto é usual em relação a qualquer Estado que viole sistematicamente o direito internacional e não seja protegido dos Estados Unidos da América. Aliás, que não haja dúvidas: Israel só consegue manter a sua máquina de guerra graças ao apoio político, militar e financeiro dos Estados Unidos. São armas norte-americanas que caem sobre Gaza. São vetos sucessivos de Washington que bloqueiam a ONU. Sem esta cumplicidade, Israel não poderia gozar da impunidade que hoje ostenta.

E neste contexto político em que a extrema direita governa tanto os Estados Unidos como Israel e ameaça o mundo livre, Portugal e a União Europeia têm de deixar de tratar como parceiro um Estado criminoso. É tempo de dizer claramente que não se pode negociar com quem constrói a sua economia sobre a morte e o sofrimento de um povo, porque a paz só existirá de facto quando houver liberdade para os palestinianos, fim da ocupação e responsabilização de Israel pelos crimes cometidos.

Importa deixar claro que afirmar isto nada tem que ver com anti-semitismo – o reconhecimento da Palestina enquanto Estado não é uma posição contra o povo judeu. Os judeus, que tanto sofreram ao longo da história, não podem ser confundidos com o grupo de radicais que hoje governa Israel. Este governo, chefiado por Benjamin Netanyahu, instrumentaliza o sangue derramado no Holocausto para justificar a expansão territorial, a repressão brutal e a limpeza étnica em curso. É um abuso intolerável da memória histórica para legitimar crimes contra outro povo.

Da mesma forma, o Hamas não pode ser confundido com o povo palestiniano. A violência do Hamas é evidentemente condenável, mas não apaga o direito legítimo de milhões de palestinianos a viverem livres, em segurança e com dignidade. Tal como Israel não pode ser confundido com um governo radical que se vitimiza para esconder a sua política criminosa, também a Palestina não pode ser reduzida a uma organização armada. Ambos os povos têm direito a viver em paz, com segurança e com justiça, numa solução que só poderá ser de dois Estados.

Presidente da Cooperativa Milho-Rei