No actual contexto político internacional, esse reconhecimento assume um cariz de enorme relevância simbólica ao sinalizar uma exigência de justiça perante um dos maiores crimes da nossa era. Com efeito, o que Israel tem vindo a praticar, ao longo de décadas, é um regime de apartheid, sustentado na ocupação ilegal, na expansão incessante de colonatos e numa política sistemática de extermínio e limpeza étnica.
O bombardeamento de escolas e hospitais, a fome imposta como arma de guerra e o assassínio de civis inocentes não são “excessos” nem “danos colaterais”: são crimes contra a humanidade.
A comunidade internacional, durante anos, lavou as mãos, cúmplice, pelo silêncio e pela inércia, por cada criança morta em Gaza, por cada família expulsa da Cisjordânia.
O apartheid e o genocídio em curso não podem continuar a ser branqueados pela retórica da “autodefesa”.
É por isso imperativo que, mais do que palavras simbólicas, haja da parte da comunidade internacional a imposição a Israel de sanções políticas, económicas e militares, como de resto é usual em relação a qualquer Estado que viole sistematicamente o direito internacional e não seja protegido dos Estados Unidos da América. Aliás, que não haja dúvidas: Israel só consegue manter a sua máquina de guerra graças ao apoio político, militar e financeiro dos Estados Unidos. São armas norte-americanas que caem sobre Gaza. São vetos sucessivos de Washington que bloqueiam a ONU. Sem esta cumplicidade, Israel não poderia gozar da impunidade que hoje ostenta.
E neste contexto político em que a extrema direita governa tanto os Estados Unidos como Israel e ameaça o mundo livre, Portugal e a União Europeia têm de deixar de tratar como parceiro um Estado criminoso. É tempo de dizer claramente que não se pode negociar com quem constrói a sua economia sobre a morte e o sofrimento de um povo, porque a paz só existirá de facto quando houver liberdade para os palestinianos, fim da ocupação e responsabilização de Israel pelos crimes cometidos.
Importa deixar claro que afirmar isto nada tem que ver com anti-semitismo – o reconhecimento da Palestina enquanto Estado não é uma posição contra o povo judeu. Os judeus, que tanto sofreram ao longo da história, não podem ser confundidos com o grupo de radicais que hoje governa Israel. Este governo, chefiado por Benjamin Netanyahu, instrumentaliza o sangue derramado no Holocausto para justificar a expansão territorial, a repressão brutal e a limpeza étnica em curso. É um abuso intolerável da memória histórica para legitimar crimes contra outro povo.
Da mesma forma, o Hamas não pode ser confundido com o povo palestiniano. A violência do Hamas é evidentemente condenável, mas não apaga o direito legítimo de milhões de palestinianos a viverem livres, em segurança e com dignidade. Tal como Israel não pode ser confundido com um governo radical que se vitimiza para esconder a sua política criminosa, também a Palestina não pode ser reduzida a uma organização armada. Ambos os povos têm direito a viver em paz, com segurança e com justiça, numa solução que só poderá ser de dois Estados.
Presidente da Cooperativa Milho-Rei