Liderar

Apesar da compaixão fazer parte da natureza humana, ser imune ao sofrimento do outro é absurdamente fácil.

Dou cursos de Liderança há muitos anos, onde explico e exemplifico o que é a empatia, a escuta ativa, o feedback e a comunicação assertiva. Falo também de segurança psicológica e da sua relação com as equipas de alto rendimento. Habitualmente não só toda a gente conhece os termos como a maior parte das pessoas mostra valorizar e identificar-se com estas ideias. Mas, se filmássemos o dia a dia de muitas Organizações, Públicas ou Privadas, veríamos que o que as pessoas dizem e o modo como o dizem, principalmente na comunicação entre colaboradores e chefias, não são exemplos de empatia ou comunicação assertiva. Um parênteses para explicar o que a assertividade não é: “Dizer o que se pensa com todas as letras na cara da pessoa!”. A isso chama-se agressividade e é fácil e natural. Difícil é ser claro na mensagem ao mesmo tempo que se tem cuidado com os outros. Não conheço um único livro de Liderança (ou Pedagogia) onde esteja escrito: “Quando se sentir frustrado, grite, gesticule, ameace ou seja irónico com as suas equipas”. Nem tão pouco: “Mostre pelo menos alguma desaprovação sempre que algum acontecimento da vida do colaborador, seja uma doença de um familiar ou umas férias, possa afetar o trabalho”. Com tanta informação e formação como é possível que estes hábitos se mantenham? Mantêm-se porque, como diz Paul Gilbert: «As pessoas são capazes de ser compassivas, e também de serem cruéis e tribais».

Chegou aquela altura do ano em que vemos pelas ruas das cidades estudantes universitários vestidos com aqueles mantos e sapatos típicos, a acompanhar grupos de rapazes e raparigas acabados de entrar na Faculdade e muitos deles acabados de chegar sozinhos a uma nova cidade. Os que têm os mantos gritam, repetem palavras de ordem e rodam os olhos de desprezo enquanto lançam pérolas de liderança como: «Tens de me tratar por Excelentíssimo!»; «O Caloiro está no fundo da cadeia alimentar!»; «Caloira, baixe os olhos quando fala comigo!» e quem pode exibe com orgulho: «Eu sou a Dux, sou a pessoa com mais matrículas na Faculdade!». Dizem que é bom para a integração dos novos alunos. Consigo pensar em 50 maneiras diferentes de integrar pessoas num novo ambiente e nenhuma delas passa nem pela humilhação de quem está numa situação mais vulnerável, nem por promover uma liderança baseada na ironia grosseira e no autoritarismo boçal.

A raiva, a crueldade e o abuso de poder são parte da natureza humana. Basta conhecer a Experiência de obediência de Stanley Milgram, a Experiência da Prisão de Stanford de Philip Zimbardo ou olhar à nossa volta para o constatar.

Ser coerente é difícil, ainda mais quando sempre nos habituámos a ver fazer desta maneira, aprendemos a ser autoritários e conformistas, dependendo da posição que ocupamos, ainda antes de entendermos estes conceitos. E apesar da compaixão também fazer parte da natureza humana, ser imune ao sofrimento do outro é absurdamente fácil.

A congruência total é inalcançável, mas seria bem melhor pormos o nosso esforço nas ações no dia a dia do que andarmos a inventar novos slogans sobre liderança a cada mês.