O elo mais fraco

Mais relevante do que o peso das exportações no PIB será a importância do valor acrescentado dos bens e serviços que podem ser transacionados internacionalmente, sejam exportados ou consumidos internamente.

O aumento da importância das exportações é um sucesso indesmentível da economia e das empresas portuguesas. Entre 2010 e 2022 o peso das exportações no PIB aumentou cerca de 19,5 pontos percentuais, chegando a 49,5%. Em larga medida, foi consequência do ajustamento financeiro de 2011/2014 que, ao provocar a queda da procura interna, levou as empresas a ajustar-se e a procurar mais o mercado externo. Nesse período, segundo dados da CE, os custos do trabalho por unidade produzida caíram 7% em termos reais: a produtividade cresceu mais do que os salários. Assim, o aumento das exportações foi possível sem sacrificar as margens das empresas (estimadas pela relação entre preços das exportações e custos unitários do trabalho), que até aumentaram. No entanto, a partir de 2015, a margem na exportação caiu persistentemente (com exceção do biénio inflacionista de 2022/2023). Ou seja, nesse período, que foi de expansão da procura interna, o aumento das exportações terá requerido, pelo menos em parte, a compressão das margens das empresas.

O sucesso do aumento das exportações não é da mesma medida quando consideramos não os montantes exportados, mas o valor acrescentado nacional contido nas exportações (direta e indiretamente): de acordo com dados da OCDE, dos referidos 19,5 pontos percentuais de aumento do peso das exportações no PIB, apenas cerca de metade correspondeu a aumento do peso do valor acrescentado exportado. E nos seis anos mais recentes (pós 2016), apenas um terço do aumento do peso das exportações no PIB representou crescimento do valor acrescentado. Estes factos, consistentes com a referida queda de margens, significam que o valor acrescentado nacional contido nas exportações se foi reduzindo: caiu seis pontos percentuais entre 2010 e 2022. Ou seja, exportámos mais bens e serviços, mas com menor valor nacional incorporado. Este é o ‘elo mais fraco’ das nossas exportações e, afinal, da economia portuguesa. Mais do que o volume exportado, interessa o valor do que se exporta. E mais do que a quantidade do que produzimos, importa o valor do que se produz. É esse o verdadeiro conceito de produtividade, onde continuamos a apresentar um défice de 34 pontos percentuais face à média da UE e de mais de 50 quando comparamos por exemplo com a Dinamarca ou os Países Baixos.

Acresce que tão importante como exportar é produzir para o mercado interno. Por isso, mais relevante do que o peso das exportações no PIB será a importância do valor acrescentado dos bens e serviços que podem ser transacionados internacionalmente, sejam exportados ou consumidos internamente. E esse indicador – estimado com base em hipóteses razoáveis – é bem menos favorável: entre 2010 e 2022, o peso no PIB do valor acrescentado correspondente a este tipo de bens e serviços terá aumentado apenas cerca de dois pontos percentuais, depois de ter caído 5 pontos na década anterior.

Infelizmente, muitos dos dados referidos terminam em 2022, impedindo uma análise mais atualizada. O período posterior apresenta, todavia, algumas características que devem merecer ponderação: o peso das exportações no PIB caiu do máximo de 49,5% para 47,5% em 2023 e 46,5% em 2024 (não sabemos o que aconteceu ao valor acrescentado). Esta queda foi de par com crescimento de 14% dos custos unitários do trabalho que, comparado com o aumento de apenas cerca de 3% dos preços de exportação, representa uma queda da ordem dos 10 pontos percentuais da margem na exportação. Trata-se de um período de observação curto e, como em tudo o mais, de valores agregados, que escondem comportamentos setoriais certamente muito diversos. Mas não deverá ser ignorado o alerta para os riscos da continuada apatia da produtividade e de objetivos voluntaristas de remunerações que não sejam compatíveis com o aumento forte e sustentado daquela. Esse aumento só será possível por via de um extenso e persistente programa de reformas que, por uma vez, conduzam a níveis de crescimento do produto potencial compatíveis com a ambição de bem estar a que temos direito.

Ex-Ministro da Economia e Coordenador do Observatório de Políticas Económicas e Financeiras da SEDES