Especial autárquicas

O resultado foi muito melhor do que esperado: e o Conta Lá fez mesmo televisão de proximidade, foi ouvir quem nunca tinha falado, foi dar a conhecer quem nunca tínhamos ouvido falar.

SIC, 1 Outubro, 13h00
A campanha do Chega em Sintra arrancou sem André Ventura, com Rita Matias a tentar convencer os eleitores e jornalistas de que existe vida para além do Ventura, mas quando chegou ao centro da vila ninguém lhe deu cavaco, as portas fecharam-se, os eleitores nem perguntaram pelo chefe nem nada, esse papel esteve do lado da comunicação social, que sabe muito bem que, sem Ventura, não há soundbites nem aberturas de telejornal. A não ser, claro, que a abertura do telejornal seja: “Onde anda Ventura?”. E não é que foi mesmo?

SIC, 1 Outubro, 13h24
Moedas abriu a campanha em Lisboa com uma convidada de “renome”, a Presidente da Comunidade de Madrid, Isabel Dias Ayuso, com quem há uns anos Moedas partilhou uns tiktoks giríssimos. “Isabel, hoje vou roubar o teu lema: ganas, teremos ganas”, avisou Moedas para uma sala meio-vazia. Uns minutos depois, começou a debitar a cartilha combinada com os seus spin doctors nessa semana, alegando que a candidatura de Alexandra Leitão é de “blocos de esquerda”.

RTP1, 1 Outubro, 13h31
A campanha do PS arrancou também em Sintra, com José Luis Carneiro mais audacioso que Rita Matias a apanhar um dos primeiros comboios da manhã em direcção a Lisboa com passageiros de Mem Martins, Rio de Mouro, Mercês e afins. Carneiro diz que é habitual frequentador de transportes públicos, uma vez que apanha a linha amarela do metropolitano no Lumiar e/ou Quinta das Conchas para o Rato, mas não esteve ao nível de João Ferreira, que, no Bom Partido do Geirinhas, uns dias antes, soubera debitar todas as estações da linha amarela. Quinze a dois para o João Ferreira.

RTP1, 2 Outubro, 22h00
O debate dos candidatos por Lisboa na RTP correu de feição a Moedas: como a RTP decidiu convidar os nove candidatos à capital, Moedas teve menos tempo para intervir e menos tempo para ser confrontado. Mas nem por isso se sentiu menos acossado, aproveitando a polarização dos portugueses no dia em que Mariana Mortágua havia sido detida por Israel para transformar a candidatura de Alexandra Leitão numa candidatura do “Bloco de Esquerda” (referiu o BE duas vezes na intervenção de abertura e quatros vezes na flash interview). Nos entretantos, João Ferreira e Alexandra Leitão trocaram galhardetes entre si, só se entendendo mesmo quando tentaram sacudir com leques o calor que a tensão exercia sobre os seus rostos, como a imagem bem documenta.

SIC Notícias, 2 Outubro, 21h42
O candidato do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, na SIC Notícias alegou que “as forças israelitas só hoje mataram 20 crianças em Gaza”. Tanto o seu interlocutor, Francisco Cudell, como a pivot, Nelma Serpa Pinto, foram lestos a perguntar “qual era a fonte?”, ou se a “fonte dessa notícia era o Hamas?”. Fabian respondeu como um verdadeiro boss: “A minha fonte é a SIC Notícias, eu vi esta notícia na SIC Notícias”…

CNN Portugal, 3 Outubro, 01h00
O momento mais embaraçoso da primeira semana de campanha eleitoral deu-se quando a CNN trocou “Goucha” por “Gorducha” no momento em que a candidata do PSD pela Amadora, Suzana Garcia, era convidada a interpelar, num evento em que Goucha e Passos Coelho também estavam presentes. As redes exultaram com a maldade da CNN, discutiu-se inclusivamente a veracidade polígrafa da imagem, mas o erro foi mesmo real e não fake, uma vez que, segundos antes, Goucha aparecia como “Manuel Luis Gorducha”, são erros comuns que acontecem quando adormecemos em democracia e acordamos na tirania do auto-corrector. O pior foi que, na peça da CNN logo a seguir, Estremoz apareceu como “Extremoz”, um erro grosseiro que não é comum no auto-corrector, mas sim quando quem escreve não conhece o seu próprio país…

Com o aproximar do fim de semana, André Ventura foi visto a tentar partilhar um tinto Amnésia bem perto da vila de Moura, onde em 2021 foi eleito deputado municipal, sendo que, nestes quatro anos, conseguiu a sempre dignificante proeza de se esquecer de comparecer a 30 reuniões da Assembleia Municipal. Imagino que um político que queira limpar o país terá decerto conseguido apresentar 30 atestados de saúde para justificar os 30 espasmos esofágicos que o obrigaram a cancelar a presença nessas reuniões em Moura. Intrépido o repórter da SIC, Nelson Mateus, que confrontou Ventura sobre o assunto.

RTP1, 3 Outubro, 21h00
Nem mesmo a app terremotos, uma aplicação tantas vezes prometida por Moedas, poderia antever a escala do terremoto que esta semana se abateu na capital do reino quando a RTP emitiu a reportagem de Lavínia Leal n’A Prova dos Factos, em que vítimas da tragédia do elevador da Glória confessaram nunca terem sido contactadas pela Câmara de Lisboa ou a Carris, apesar de Carlos Moedas tantas vezes ter alegado “estar sempre no terreno com as famílias” durante os dias que seguiram ao acontecimento. Bastaram alguns dias para ficarmos a saber que Moedas, depois do acidente, se refugiou com Marcelo e Montenegro para avaliar os danos do acidente e as acções políticas a tomar. A reportagem-terremoto da RTP concluiu ainda que a CML só esteve realmente com as vítimas e com os familiares de vítimas que pediram efectivamente reuniões da CML, revelando um comunicado em que inclusivamente troca o nome de uma das vítimas (Liliane aparece como “Eliane”). Este domingo de eleições, os lisboetas decidem se sempre querem uma app terremotos para o novo mandato de Moedas ou não.

RTP1, 5 de Outubro, 13h45
A frase da semana foi proferida por  Élvio Sousa, deputado do JPP Juntos Pelo Povo, em campanha na ilha da Madeira: “Os funchalenses estão fartos de diamantes a rolar nas gavetas e pedras no sapato”. O JPP é daqueles partidos que se assume como “nem de esquerda, nem de direita”, o que na prática significa que será de direita. Não digo que precise de revelar a sua bússola ideológica agora, talvez só quando os diamantes começarem finalmente a rolar na sua gaveta.

Conta Lá, o novo canal de Sérgio Figueiredo (ex-TVI), nasceu este ano com o objectivo de fazer “televisão de proximidade”.

Para quem não saiba, “televisão de proximidade” é tudo aquilo que as nossas televisões prometem sempre fazer, ou seja, escutar as pessoas de todo o país, antes de os directores financeiros decidirem que não há graveto para pagar uma equipa de produção estacionada a mais de dez quilómetros da margem norte ou sul do Tejo.

Mas, com ou sem graveto, com ou sem experiência, o Conta Lá atirou-se de cabeça para uma aposta de loucos: fazer 278 debates com os principais candidatos às Autárquicas em todos os concelhos de Portugal.

Apesar de muitos candidatos faltarem, apesar de o vento arruinar o som de alguns debates, apesar de tudo parecer ainda demasiado polido e conservador (é o resultado de fazer os debates em locais demasiado institucionais, afastados da realidade das pessoas), o resultado foi muito melhor do que esperado: e o Conta Lá fez mesmo televisão de proximidade, foi ouvir quem nunca tinha falado, foi dar a conhecer quem nunca tínhamos ouvido falar.

Todos os dias nas posições 15 da MEO, 123 da NOS e 999 da Vodafone.