Água que Une: não podemos perder mais tempo!

Alqueva mostrou que é possível transformar o território quando há visão e coragem política. Hoje, ninguém questiona a sua importância. O mesmo tem de acontecer com a ‘Água que Une’.

Portugal dispõe, em termos médios anuais, de mais água do que muitos países europeus. Chove mais em Portugal do que na Alemanha ou em Espanha. O problema não é a quantidade, mas a sua irregularidade: temos abundância a norte e escassez a sul; longos períodos de seca seguidos de cheias intensas que o território não consegue reter.

A estratégia ‘Água que Une’, apresentada em março de 2025 após mais de um ano de trabalho técnico sério e competente, prometia finalmente enfrentar este desafio. Pela primeira vez, Portugal tem uma visão integrada e pragmática sobre a água, articulando agricultura, energia, turismo, indústria e consumo humano. Contudo, seis meses depois, pouco ou nada avançou. O processo está parado entre consultas públicas desnecessárias nesta fase, vai-e-vens burocráticos e rivalidades ministeriais.

O custo do atraso é enorme. Portugal apenas aproveita cerca de 11% da água que atravessa o território num ano médio. O regadio de Alqueva, em plena campanha, consome apenas 1,3% desse total. Ao mesmo tempo, milhões de metros cúbicos perdem-se todos os anos para o mar. É um desperdício inaceitável num país que enfrenta secas cada vez mais frequentes e intensas.

A agricultura é o setor que mais depende da água – representa cerca de 70% do uso – mas também aquele onde a gestão eficiente tem maior retorno. Apenas menos 20% do território está em regadio, mas é responsável por 80% do valor da produção agrícola nacional. Num país cuja balança agroalimentar regista anualmente um défice de milhões de euros, o reforço do regadio sustentável não é apenas uma questão de produção: é uma questão de soberania alimentar, de competitividade e de coesão social.

As alterações climáticas agravam a urgência. Prevê-se uma redução da precipitação de 20% a 40% nas próximas décadas, acompanhada de temperaturas mais altas e maior evapotranspiração. Ou seja, precisaremos de mais água precisamente quando será menos abundante.

A estratégia ‘Água que Une’ aponta o caminho: aumentar a capacidade de armazenamento com novas barragens e charcas; melhorar a eficiência da distribuição; investir na dessalinização e na reutilização de águas residuais; e, sobretudo, criar a chamada «autoestrada da água», ligando as bacias do Norte às regiões mais secas do Sul. Estas soluções estão estudadas e identificadas. Só falta a sua implementação.

Nada fazer é também uma decisão – e uma das mais caras que o país pode tomar. O abandono rural, a desertificação do interior, a dependência alimentar do exterior e até tensões com Espanha na gestão dos rios partilhados são riscos reais de continuarmos na inércia.

Alqueva mostrou que é possível transformar o território quando há visão e coragem política. Hoje, ninguém questiona a sua importância. O mesmo tem de acontecer com a ‘Água que Une’.

Por isso, apelamos ao Governo, e em particular ao Primeiro-Ministro, que assuma de forma direta a coordenação da estratégia. A água não pode esperar por ciclos eleitorais nem por disputas internas. A tão necessária reforma do Estado, essa ‘prioridade absoluta’, passa por aqui. Não se trata apenas de desbloquear a economia nacional. Está em causa, também, a segurança alimentar, a manutenção de ecossistemas e a coesão territorial de Portugal. O tempo de agir é agora.

Coordenador do Observatório da Agricultura da SEDES