Querida avó,
Tenho tido dias bastante intensos, com inúmeras idas ao teatro. A cultura alimenta a nossa alma. Ajuda-nos a compreender o mundo, a respeitar outras formas de viver e até a sonhar mais alto. Ensina, emociona e faz pensar.
Fui ao Teatro da Trindade assistir à peça ”Alice no Pais das Maravilhas”. Uma obra literária intemporal que nos convida, no decorrer de uma insana viagem entre a realidade e a imaginação, a debater a razão da nossa existência. Alice é o resultado das nossas dúvidas, sem idade e sem género.
Uma versão musical, frenética e alucinante que seduz o público a mergulhar no fantástico imaginário de Lewis Carroll, que tanto gostas. Não fosses tu ser colecionadora desta obra.
No Teatro Maria Matos assisti à peça “Arte”. Uma história de amizade que se vê abalada por algo aparentemente simples: a compra de um quadro totalmente branco, com riscas brancas, assinado por um aclamado artista contemporâneo. Um amigo decide comprar o quadro. Outro amigo não consegue esconder a incredulidade. Um terceiro amigo tenta, sem grande sucesso, ser o conciliador. O que poderia ser apenas uma divergência de gostos rapidamente se transforma numa batalha de egos, ressentimentos e revelações hilariantes.
Espelha o lado mais imprevisível da amizade.
No Teatro Aberto assisti à peça “O senhor Paul”. O tema não podia ser mais atual. Fala de um homem invulgar que não sai de casa há largos anos, passa os seus dias sentado, numa letargia extrema, avesso a qualquer mudança ou movimentação. Um jovem que herdou o imóvel, onde o senhor Paul vive com a irmã, quer desalojá-los para montar ali um negócio lucrativo. Não contou, no entanto, com o imobilismo e a inteligência do senhor Paul, que conduz um combate feroz, com um desfecho inesperado.
A cultura dá-nos raízes, mas também asas. Vamos ao teatro quando vieres a Lisboa?
Em breve chegam os circos de Natal.
Bjs
Querido neto,
Às vezes a cultura chega até nós de estranhas maneiras. Os tios com quem vivia em criança eram muito “Ecléticos”. Tanto me levavam a ver as Operas no São Carlos, e as peças no Teatro Nacional, como corríamos todos os Teatros de Revista no Parque Mayer.
Gosto muito de teatro. É ao vivo, é como se a história estivesse a acontecer diante de nós. Os atores dão tudo de si naquele momento, e cada apresentação é única.
Nunca se repete exatamente igual. Um gesto, uma entoação, uma reação da plateia… tudo influencia. Além disso, no teatro aprendemos a sentir mais fundo, a imaginar, a refletir sobre a vida e sobre as pessoas.
Não me convides para ir ao Circo. Não gosto nada!
A Ericeira está cheia de cartazes a anunciar o circo que aqui se instalou há dias.
Toda a gente achava estranho e eu não lhes queria explicar porquê.
Tudo porque um dia, era eu criança, tinha ido ao circo e, de repente, a trapezista tinha caído do trapézio, logo uma data de gente a tinha coberto com um pano e retirado do palco, anunciando a sua morte.
Foi horrível – e aquilo marcou-me tanto que, já adulta, nunca ia ao circo – e nunca me esqueci do nome da trapezista: Pinito del Oro.
Aqui há uns tempos quis reviver esses tempos e procurei no Facebook a tal Pinito del Oro. Então não é que a senhora (eu ia escrever outra palavra, mas depois o Facebook não gostava e fazia-me estar parada uns dias de castigo…) ainda era viva?!
A senhora fazia isso em todos os espetáculos: fazia de conta que tinha morrido, tiravam-na do palco e depois, às escondidas de todos os olhares, levantava-se, vestia-se e ia fazer a mesma coisa no circo de outro país! E claro que os donos dos circos também se fechavam em copas – negócio é negócio.
Por isso, meus amigos, nunca me convidem para ir ao circo – e que me desculpem os artistas que estão agora aqui na Ericeira.
Muitos parabéns pelo que tens feito com o Ruy de Carvalho.
Bjs