Em nome da Paz

Dá ideia de que já não se consegue viver o dia a dia sem ser debaixo de guerras, de violência, de agressividade, de jogos de interesses, de desconfiança, num mundo onde se perderam valores e a verdade, a solidariedade e o amor deixaram de fazer sentido

A palavra ‘guerra’ passou a fazer parte da rotina do nosso vocabulário. Longe vão os tempos em que ela nos assustava e era só por si suficiente para lançar o pânico onde quer que estivéssemos, fosse qual fosse a causa desencadeante. Hoje, não há dia nenhum em que em que não se fale de guerra, não só para nos mostrar ‘a sangue frio’ as consequências devastadoras dos diversos conflitos entre povos, onde seres humanos vão sendo aniquilados como meras peças de um jogo de xadrez movido pela força do dinheiro, das armas e de interesses económicos, como também as outras guerras no mundo empresarial, no campo da política, do desporto e nos mais variados setores da sociedade. Dá ideia de que já não se consegue viver o dia a dia sem ser debaixo de guerras, de violência, de agressividade, de jogos de interesses, de desconfiança, num mundo onde se perderam valores e a verdade, a solidariedade e o amor deixaram de fazer sentido. Então é legitimo perguntar: a Paz não é possível de atingir? É palavra do passado e em vias de extinção?  Não faz mais sentido falar dela? Paradoxalmente, os apelos à Paz sempre se fizeram ouvir ao longo dos tempos. Jesus Cristo saudava os seus apóstolos invocando a paz: ‘A Paz esteja convosco’.

Ao passar pela Quinta Avenida em Nova Iorque chamou-me à atenção o ‘convite’ afixado na porta de uma igreja famosa ‘Come in and pray for the Peace’ (Entre e reze pela Paz). Mas fora do contexto religioso, também na área da música se fala de paz em hinos e baladas, não esquecendo igualmente as inúmeras manifestações pela paz um pouco por toda a parte e por esse mundo fora. Falando como médico, eu próprio procuro incutir no espírito dos doentes a noção de que é preciso viver um dia de cada vez, mas sempre ‘em paz consigo próprio’ pois é por aí que tudo tem de começar. É que enquanto não houver paz no coração de cada homem, não se pode pensar em paz no mundo.

Continuando neste caminho em nome da paz, vem-me à memória a noticia triste e inesperada do falecimento de Jorge Costa que recebi em pleno tempo de férias. Conceituado jogador de futebol tendo representado a nossa seleção, este (agora) dirigente desportivo partiu subitamente deixando atrás de si uma carreira brilhante.

Não o conhecia a não ser de o ver jogar e mais recentemente pelo seu trabalho nas novas funções que estava a desempenhar. Como médico, interrogo-me quanto à causa que o vitimou. Sabendo-se agora que, nos seus antecedentes, havia uma doença cardíaca grave que exigia uma vida regrada com um controlo rigoroso dos fatores de risco, nomeadamente do stress, fico com dúvidas se o terá conseguido ou não. Fica o aviso para todos os doentes. Citando William Osler: «A saúde é um bem precioso de mais para estar só nas mãos dos médicos. Cada um deve aprender a cuidar da sua». Mas continuaremos a falar de Jorge Costa e a pedir a sua intercessão junto do Pai. Uma coisa, para já, ele conseguiu, ainda que temporariamente: unir numa ‘presença solidária’ os clubes rivais de Lisboa e o FC Porto,  numa clara demonstração que, em momentos dramáticos, é possível esquecer rivalidades clubísticas e divergências pontuais quando valores mais altos se levantam. Apraz-me registar e enaltecer as posições de Rui Costa e do meu colega Frederico Varandas a quem publicamente deixo aqui o meu cumprimento e um elogio. Bem hajam amigos pelo vosso exemplo e pelo vosso testemunho. Em nome da Paz. No nosso futebol bem como em todo o desporto em geral, dispensem-se guerras, violências, ódios, racismo.

Tem de haver qualquer coisa que, apesar das nossas legitimas divergências, nos deve unir solidariamente nos momentos catastróficos da vida de todos nós. Em jogo, adversários mas não inimigos, cá fora, colegas de profissão onde deve prevalecer a cooperação, a amizade e o respeito entre uns e outros,

Meu caro Jorge Costa: Se da tua nova morada conseguiste juntar à mesma mesa nesta terra pessoas de quadrantes desportivos tão diferentes defendendo posições tantas vezes divergentes e que souberam estar à altura das suas responsabilidades e do lugar que ocupam, ajuda-nos a nós que, por enquanto, perigrinamos neste mundo a seguirmos o seu exemplo e também sermos capazes de nas alturas cruciais das nossas vidas, ultrapassar aquilo que nos divide e ir ao encontro de quem nos estende a mão.

Assim se constrói um novo mundo, um mundo diferente, um mundo melhor.

Em nome da Paz.

(À memoria de Jorge Costa)