Impostos – Entre o Dever de Contribuir e o Direito a Compreender

A reforma fiscal é, antes de tudo, uma questão de confiança entre o Estado e os cidadãos.

O sistema fiscal é um dos pilares do funcionamento do Estado, mas também um dos temas mais debatidos e, no caso português, uma das maiores fontes de descontentamento e frustração. Em Portugal, falar de impostos é quase sinónimo de lamento, o sistema é complexo, o esforço fiscal elevado e a previsibilidade quase inexistente. O resultado é um país onde cidadãos e empresas pagam muito, percebem pouco e confiam cada vez menos no sistema.

O esforço fiscal em Portugal é dos mais elevados da União Europeia, com forte incidência sobre o trabalho. O IRS, com os seus múltiplos escalões e exceções, e o IRC, com derramas e taxas complexas, são exemplos de um sistema opaco e difícil de compreender, tanto para cidadãos como para empresas. E quando o sistema é imprevisível, a confiança esvai-se. A fiscalidade transforma-se num exercício de resistência, em vez de ser um instrumento de desenvolvimento.

Um sistema fiscal mais simples e justo teria impactos positivos em vários níveis: atrairia investimento estrangeiro, aumentaria a confiança no Estado e reduziria a evasão fiscal. Além disso, a previsibilidade permitiria um planeamento mais estável para famílias e empresas.

A transparência e a simplicidade do sistema seriam fundamentais para aproximar os cidadãos do Estado e promover maior cumprimento voluntário das obrigações fiscais.

O debate fiscal em Portugal tende a ser marcado por clivagens ideológicas entre ‘mais impostos para redistribuir’ ou ‘menos impostos para libertar a economia’. No entanto, o verdadeiro problema está na forma como o sistema está estruturado. A derrama estadual, por exemplo, atua como um desincentivo à criação de escala, penalizando empresas que crescem. Além disso, cerca de 28% das empresas portuguesas têm capital próprio negativo, o que significa que estão tecnicamente falidas – um sinal claro de que o modelo fiscal e económico atual não promove sustentabilidade.

É também relevante ter em conta a chamada ‘curva de Laffer’, que demonstra que, a partir de determinado ponto, quanto maior a taxa de imposto, menor será a receita arrecadada, porque aumenta a fuga e a evasão fiscal. Este é um alerta para o risco de se confundir aumento de taxas com aumento de receita, quando o efeito pode ser o contrário.

Um sistema fiscal não pode ser extrativo, limitado a retirar recursos sem devolver valor. Precisa de ser distributivo, garantindo serviços públicos de qualidade, equidade social e estímulos à economia.

Neste sentido, pagar impostos deve ser entendido como parte do contrato social, o preço de viver em comunidade – uma contribuição coletiva para financiar bens e serviços comuns. Mas a cobrança tem de ser feita com racionalidade, com sentido próprio e respeitando princípios de justiça e eficiência. O imposto não pode ser cego: deve ter propósito, visão estratégica e impacto positivo sobre a sociedade.

A economia deve ser vista como uma construção social – não uma fatalidade da qual não possamos escapar, mas um sistema moldado por escolhas políticas, institucionais e culturais. Embora existam restrições orçamentais e compromissos internacionais, há sempre espaço para a ação e para repensar o contrato social entre Estado, empresas e cidadãos.

Não se trata de uma ‘fórmula mágica’, mas de um contrato renovado entre o Estado e os contribuintes, onde os impostos sejam mais do que um mecanismo de cobrança: sejam instrumentos de desenvolvimento, de coesão social e de promoção da concorrência. A falta de concorrência em Portugal é, aliás, um dos problemas estruturais que a fiscalidade pode ajudar a corrigir, criando condições para mercados mais abertos e dinâmicos.

A este propósito a SEDES lançou o livro Ambição: Impostos Mais Simples, Melhor Economia que constitui um contributo relevante para o debate fiscal em Portugal. Apesar da densidade do tema e da extensão da obra, apresenta uma visão reformista que procura conjugar equidade, simplicidade e competitividade. Num país onde a fiscalidade continua a ser um obstáculo ao desenvolvimento, a discussão destas propostas surge como uma oportunidade para repensar não só o futuro económico, mas também o modelo social e político que se pretende construir.

Secretária Geral Sedes