Nota prévia: Raramente um político terá merecido tanto o Nobel da Paz como Corina Machado, estoica opositora venezuelana ao sanguinário e corrupto regime de Maduro. Bastou ver a vergonhosa reação do líder do PCP (“não deram a Trump, deram a uma trumpista”) e o silêncio de bloquistas e sucursais ideológicas. E também as lacónicas referências do complexado comentariado nacional, que levaram ao esmorecer noticioso do tema, mais focado no regozijo por não ter sido Trump o laureado, a quem ela agradeceu o apoio. Corina Machado vive na clandestinidade e é politicamente Ocidental, o que torna a sua luta muito mais difícil mediaticamente.
1. Foi a primeira vez desde Manuela Ferreira Leite, em 2009, que o PSD venceu autárquicas. Basta isso para afirmar que o resultado de domingo foi notável. Reforça a liderança de Montenegro e deixa pouca margem às oposições para questionarem a sua legitimidade (pelos vistos só judicialmente pode ser incomodado). Claro que autárquicas não são legislativas, mas a vitória laranja nas suas variadas siglas é ampla e inquestionável. Não vale a pena esmiuçar o quadro nacional. É o que é; e é notável, depois do fracasso estrondoso de Rio. Já o PS, apesar de perder 21 Câmaras e a Associação Nacional de Municípios, limitou a derrota. Isto porque José Luís Carneiro não foi tido nem achado nas escolhas. Vieram do consulado de Pedro Nuno Santos, que sofreu uma derrota diferida no tempo. Mesmo assim, ficou claro que o país autárquico é ‘bipolar’ e que o PS é a segunda força nacional no terreno. Já o Chega ganhou e perdeu. Ganhou muito em comparação com o que tinha. E foi um flop total relativamente às expectativas que alimentava. Mas cuidado! Sem ganhar, é fiel da balança em sítios estratégicos como Sintra, Lisboa, Faro e Braga. O Chega já não é só Ventura, mas sem ele não seria sequer um PRD. As câmaras que ganhou são irrelevantes. Nessa contagem fica atrás do periclitante CDS, que passou de seis para sete e é pouco mais que um pin na lapela de Montenegro. Os Liberais foram um grupo de anónimos que passearam pendurados à borla no elétrico 28 do PSD. Para o PCP a queda continua. Perde sete câmaras e fica com doze. Grândola e, sobretudo, Benavente são derrotas emblemáticas. Grândola passa a PS. Era um negócio de milhões de euros combinado com o grande capital e que dava muitos jobs. Já Benavente, outro bastião comunista, caiu para uma mulher moderna do PSD, que conduzirá a autarquia que mais se vai transformar no país. É lá, sobretudo, que se vão estender as pistas e as serventias do futuro aeroporto, a maior obra do país em cem anos. Outros tempos, outras gentes, outras mentes. Quase não vale a pena falar do Livre. Agarrou-se ao PS. Ganhou uma câmara, mas localmente é um resíduo. Já o Bloco acabou mesmo. Mortágua, depois do naufrágio legislativo, gerou o autárquico. É tóxica, extremista, um fardo para os aliados e um motivo de chacota. Os grupos cidadãos mantiveram-se estáveis. Não se regista nenhum novo arremesso de ‘cidadania’ oportunista. Setúbal foi o trunfo destes grupos, com o regresso de Maria das Dores Meira, numa autarquia que poderia ter sido ganha pelo PSD, se tivesse escolhido o candidato óbvio. Uma nota curiosa. Na alvorada de segunda-feira, Pedro Duarte, recém-saído do governo, proclamou a necessidade de libertar o Porto do centralismo lisboeta. Eclodiu um regionalista nortenho da noite para o dia. Em termos de participação, os portugueses foram ativos (50% é positivo). Muitos cumpriram também a tradição de ir a Fátima a 12 de outubro e às praias num dia de verão tardio. Geriram sabiamente as suas opções.
2. Em termos eleitorais, os olhos estão já nas presidenciais. As sondagens são instáveis. Gouveia e Melo continua a desgastar-se, mas segue à frente. Mendes afirma-se. Seguro aguenta, mas precisa muito do PS, cuja comissão nacional o deve apoiar no fim de semana, sendo importante verificar se a adesão é significativa ou meramente formal. Ventura mantém uma base sólida acima dos 15%, mas perde para todos à segunda volta. Cotrim tem um espaço interessante que pode transferir eficazmente, se desistir. Os outros pouco contam, embora perturbem previsões. Tudo em aberto para 18 de janeiro, com mais potencial de crescimento para Mendes, se a máquina laranja se mobilizar.
3. Uma nota retroativa sobre a flotilha. Entre os portugueses repatriados estava discretamente um jovem chamado Miguel Duarte. Não é um líder à procura de fama, uma atriz sem ocupação ou um ativista profissional. É um idealista, voluntário de missões de resgate humanitário de refugiados e neto de um homem de Águeda, Amadeu Castilho Soares, que nos anos 60 do século passado foi pioneiro em levar o ensino do português às sanzalas de Angola, contribuindo para a unidade linguística que hoje define o país. Quem sai aos seus…