Refugo de Estado

O Público noticiou ontem que o médico Nélson Pereira, prestigiado pela folha de serviços no Hospital de São João, no Porto, resistiu à tentação de vir para Lisboa presidir ao INEM.

A principal razão não foi o receio de falta de autonomia para desempenhar o cargo com seriedade, como em tempos alegado por Vítor Almeida, outro médico credor de uma bela folha de serviços, em hospitais e helicópteros da região Centro.

Nélson Pereira, que já governou o INEM noutras épocas, transmitiu à ministra da Saúde que não pode aceitar o convite por uma razão prosaica: a vida em Lisboa está demasiado cara para o salário de um presidente do INEM deslocado.

Antes de lhe atirarem a primeira pedra, peço humildemente aos leitores para pensarem em si próprios. Aceitariam mudar-se para viver sozinhos, sem a família, a 300 quilómetros de casa, sendo ainda por cima penalizados por uma quebra de rendimentos?

O assunto é mais grave – e estrutural – do que aparenta.
A Administração Pública tem cada vez menos capacidade para concorrer com as empresas privadas no recrutamento dos melhores, com a exceção de alguns cargos em certas entidades reguladoras, pagos a peso de ouro para os titulares não incomodarem ninguém.

Na política, passa-se o mesmo. Cada vez mais pessoas com uma boa carreira privada evitam perder dinheiro para se exporem como deputados ou ministros da República.

Isso, aliado aos mecanismos perversos das malas de dinheiro e das cumplicidades espúrias na conquista do poder partidário, inverteu a pirâmide social.

Em lugar de almas de ouro, como sonhava Platão, tendemos a ser governados pelo refugo.

A solução seria simples: pagar aos políticos e aos altos gestores públicos em função de uma média das últimas três ou cinco declarações de IRS.
Poderiam, ou não, ser instituídos limiares de remuneração mínimos, para todos poderem ter acesso aos cargos, e máximos, para evitar casos demasiado chocantes.

Não há – nem haverá tão cedo -um único líder partidário a bater-se por esta reforma.

São todos muito mais populistas do que corajosos.