Uma das vantagens de estar jubilado é a de poder viajar na época baixa, evitando as vagas de turismo massivo e beneficiando de preços mais módicos.
Mais tempo e menos custos permitem, pois, alguns luxos; escolher livros que nos ajudam a pensar e a corrigir, também, ideias que tínhamos por assentes.
Adquiri, recentemente, um livro acabado de editar, de um autor cujas obras recomendo, sobretudo, a juristas que gostam de estar informados e de comparar o que pensam e o que fazem com o que outros, seus iguais, fazem, em outros países.
O autor do livro a que me refiro – Gianrico Carofiglio –, foi Procurador da República em Itália, tendo-se especializado em crime organizado. Foi, ainda, nomeado Conselheiro da Comissão Anti-mafia do Parlamento italiano em 2007, e posteriormente, Senador da República pelo Partido Democrático, entre 2008 a 2013.
Além de escrever divertidos romances policiais que têm como ‘herói’ o advogado Guerrieri, escreve, também, outro tipo de ficção, bem como ensaios sobre assuntos ligados à sua condição de magistrado e aos problemas que teve de resolver, não tanto do ponto de vista jurídico, mas na perspetiva da apreciação da prova; isto é, da vida.
Um dos seus livros, L’arte el dubbio, deveria – proponho – ser traduzido em português e de leitura obrigatória para os estagiários da magistratura.
A obra que recentemente adquiri situa-se na mesma linha de pensamento e reflexão: questionar sempre as rotinas (políticas, judiciais, académicas) e a forma de abordar a verdade e as palavras que a exprimem ou escondem.
O livro consta de um conjunto de reflexões sobre o uso e o mau uso da linguagem em distintas funções públicas e das consequências sociais devastadoras que dele resultam.
A crítica que faz atinge quase todos os setores que, sem respeitar a verdade, usam a palavra como instrumento de poder e para o poder.
Eis alguns dos temas que Carofiglio tratou e sobre que escreveu em Com Palavras Exatas – Manual de Autodefesa Civil – o livro que, ora, comprei:
Tudo está na palavra; O poder da metáfora; Os estados alterados da democracia; Qualquer um sabe falar de forma obscura, poucos sabem fazê-lo de forma clara; Nada de palavras inúteis.
A obra começa com a citação de uma frase do filósofo John Searle, Professor na Universidade de Berkeley, na Califórnia: «Não é possível pensar com clareza, se não se for capaz de falar e escrever com clareza».
A partir dela, e voltando-se para o que conhece melhor, afirma Carofiglio que os magistrados, políticos e escritores, que têm o poder/dever da palavra, devem usá-la responsavelmente para procurarem e dizerem, de forma e em contextos diferentes, somente a verdade.
O autor situa, pois, a necessidade de voltar a este tema, que havia, antes, abordado em ‘Com Palavras Precisas’, na sua crescente preocupação com o incremento consciente e voluntário – às vezes –, do mau uso consciente que da palavra é, hoje, feito.
Como exemplo eloquente das inquietações que lhe provoca o atual uso populista da palavra nos meios em que ela é instrumento essencial da verdade – nos tribunais, nos parlamentos, na política em geral e, mesmo, na academia – ele trata, desde logo, do tipo de discurso que caracteriza Donald Trump.
Ao concitar e analisar, com sabedoria e humor, estes três tipos de discursos – judicial, político e científico – Gianrico Carofiglio alerta-nos, fundamentalmente, para o descrédito das instituições democráticas, que decorre do ondulante e doloso mau uso atual da palavra pública.