A distância entre o país real e o país político

Portugal mudou mais do que o seu sistema político reconhece. A combinação de envelhecimento, emigração qualificada e imigração crescente alterou profundamente a base social e produtiva do país

A última década transformou profundamente Portugal. Mudaram a economia, os padrões de mobilidade e, sobretudo, o tecido social e demográfico. O país tornou-se mais urbano, mais diverso e mais envelhecido. A emigração qualificada reduziu a população ativa e transferiu capital humano para o exterior, enquanto novas comunidades imigrantes reconfiguraram bairros, escolas e o mercado de trabalho. As famílias são hoje mais pequenas, as relações laborais mais instáveis e os percursos de vida mais imprevisíveis. Portugal é agora uma sociedade mais fragmentada, mas também mais plural, interdependente e cosmopolita.

Apesar desta transformação estrutural, a política nacional permaneceu ancorada em instrumentos e paradigmas do passado. As respostas institucionais continuam marcadas por burocracia, centralização e uma visão rígida do papel do Estado. O desfasamento entre uma sociedade em rápida mutação e um sistema político pouco adaptável traduz-se na incapacidade de antecipar tendências, ler novas dinâmicas sociais e responder de forma inovadora aos desafios demográficos e económicos. O resultado é uma crescente distância entre a energia da sociedade e a rigidez das suas estruturas de decisão.

O desenvolvimento continua a ser visto sobretudo pela redistribuição, quando o desafio contemporâneo exige inovação, qualificação e eficiência. O mercado de trabalho tornou-se volátil, caracterizado por mobilidade, trabalho remoto e vínculos precários. A relação das pessoas com o território e com o emprego é menos estável, e a intervenção política deslocou-se progressivamente para o espaço digital, fora dos partidos e dos sindicatos tradicionais. As elites, erradamente, interpretam essa dispersão como desinteresse cívico, quando esta reflete novas formas de envolvimento social e político.

O discurso político, especialmente o da esquerda, mantém-se preso a categorias ultrapassadas, centradas na oposição capital-trabalho e à ideia de um Estado central redistributivo. Mas a classe trabalhadora é hoje urbana, digital e autónoma. A esquerda perdeu influência não apenas pela governação, mas por não conseguir atualizar a sua leitura do país nem responder de forma estruturada a temas críticos como a habitação, o rendimento, a qualidade de vida e a transição tecnológica. A direita, por seu lado, insiste em fórmulas liberais genéricas, sem uma estratégia consistente de reforma nem de valorização do conhecimento e da inovação.

O sistema político português tornou-se reativo. A centralização, a dependência de fundos europeus e a reprodução de carreiras partidárias longas originam decisões sem diagnóstico nem avaliação. Enquanto a sociedade se organiza em redes digitais, novas identidades e trajetórias profissionais mais dinâmicas, o Estado continua hierárquico, lento e avesso à mudança.

Entre 2015 e 2025, Portugal mudou mais do que o seu sistema político reconhece. A combinação de envelhecimento, emigração qualificada e imigração crescente alterou profundamente a base social e produtiva do país. A sociedade mudou, tornando-se mais diversa e dinâmica, enquanto a política permaneceu fixada em estereótipos perdidos no tempo.

Reconhecer essa transformação é essencial para reconciliar o país real com o país político. Isso exige políticas públicas baseadas em evidência, análise demográfica rigorosa e leitura atualizada da realidade social e económica. Sem essa renovação intelectual e institucional, Portugal continuará a mudar sem rumo nem direção definida.