Trabalho infantil

Como se em cada criança houvesse um Cristiano Ronaldo em potência, as atividades extracurriculares são vistas pelos adultos como perspetivas de carreira.

As atividades extracurriculares fazem parte da vida de muitas crianças. Servem para desenvolver capacidades, lidar com dificuldades, aprender a estar serenamente em situações de competição e avaliação e porque algumas são praticadas em grupo, também podem dar um lugar de pertença ao longo da infância e adolescência. Servem sobretudo para as crianças se ocuparem, se divertirem e enfrentarem medos e dificuldades. Por isso muitas vezes escolhemos atividades para os nossos filhos que os desafiem e permitam evoluir em algo que achavam muito difícil e assim ganhar uma maior confiança em si próprios. Para os apoiarem neste processo estarão os professores e treinadores que, por lidarem com crianças, deverão ser em primeiro lugar pedagogos e só depois especialistas na área que ensinam.  Esta parece-me a narrativa sensata acerca das atividades extracurriculares, mas se olharmos à nossa volta ou até para nós próprios não é bem isso que vemos. E é comum ouvirmos frases como: «Percebemos muito cedo que ele tinha jeito e estamos a ver se consegue ser escolhido para a equipa X»; «Os treinos são até tarde e não pode haver faltas o que prejudica o sono e nunca temos fins de semana mas tem de ser assim para se chegar a algum lado!» ou «A treinadora é muito dura com as alunas, mas faz parte!».

Aquilo que observo é uma mudança no foco e no objetivo, tanto da perspetiva de pais como de treinadores e professores: são atividades centrais desde muito cedo nas vidas das crianças, vistas pelos adultos como perspetivas de carreira e, por isso, não é para as crianças se desenvolverem, mas sim para atingirem resultados. Como se em cada criança houvesse um Cristiano Ronaldo em potência: esta atividade é vista como um investimento de futuro, quando mandaria o bom senso que o único tipo de investimento que faz sentido como pais seria investimento a fundo perdido.

Há uma tolerância a meu ver exagerada em relação à forma como os miúdos são tratados tanto pelos pais como pelos treinadores e professores. Conheço muitos pais que sofrem ao ver o modo como os treinadores interagem com os seus filhos, mas parecem não entender a sua responsabilidade em permitir que continue a acontecer. E também conheço professores, treinadores e psicólogos do desporto horrorizados com o modo como alguns pais pressionam e maltratam as crianças quando os resultados não lhes agradam. Numa entrevista ao jornal The Guardian, o futebolista Thierry Henry fala sobre a sua história de depressão clínica ao longo da vida e reflete sobre o facto do seu pai ter sido sempre muito crítico do seu desempenho desportivo. Uma vez, era Thierry adolescente e marcou 6 golos num jogo cujo resultado ficou 6-0, mas quando chegou a casa a reação do pai foi «Falhaste aquele cruzamento de bola!». Nas palavras de Thierry Henry, «a atitude do pai ajudou-o até certo ponto como atleta, mas não ajudou nada como pessoa».

Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), trabalho infantil é: «Todo o trabalho que priva as crianças da sua infância, do seu potencial e da sua dignidade, e que é prejudicial ao seu desenvolvimento físico e mental». E se pensássemos um bocado sobre isto?