A luta entre a moderação e o abismo

A moderação, hoje tão desprezada, é a verdadeira forma de coragem política. Não é fraqueza nem neutralidade, apenas a virtude da resistência contra o simplismo.

Vivemos um tempo em que a democracia parece cansada de si própria. O radicalismo, outrora marginal, ocupa hoje o centro da cena política. Não surgiu do nada, cresceu no silêncio da indiferença, alimentado pelas desigualdades, pelo medo e pela frustração de quem deixou de acreditar que o sistema podia ouvir e dar respostas. Desapareceu a tensão virtuosa do confronto democrático a favor de uma tecnocracia sem alma e de um moralismo inconsequente.

É nesse vazio que o populismo floresce. Ele não é a causa da decadência, mas o sintoma de um corpo político extenuado. Cresce quando a palavra se torna grito. Promete união, mas vive da divisão. Invoca o povo, mas alimenta o ressentimento. Mede o seu sucesso pela erosão da linguagem consciente de que sempre que a linguagem se corrompe, a razão cede.

A globalização dissolveu as antigas âncoras da segurança, o emprego estável, o território, a pertença. O cidadão transformou-se num consumidor político, fiel num dia, descartável no outro. O debate público, dominado pela urgência e pela emoção, perdeu a gravidade da razão. Tal como referia Habermas, sem um espaço racional não há deliberação, apenas ruído. E o ruído é sempre o prelúdio do autoritarismo.

A política tradicional afastou-se do seu epicentro ético: servir a comunidade, e não sobreviver nela. A democracia só sobreviverá se for capaz de unir eficiência com justiça. Entre a demagogia que promete tudo e a apatia que nada espera, resta o trabalho silencioso da razão. É nele que a democracia se regenera. O futuro dependerá da capacidade de permanecermos livres num país cansado, onde muitos começam a esquecer que a liberdade é um bem que se perde devagar.

Os atores políticos enfrentam hoje três tentações fatais. Uns optam por imitar o populismo, convencidos de que o poderão domesticar. Outros preferem excluir e moralizar, erguendo muros de superioridade ética que apenas reforçam o isolamento. Poucos, muito poucos, escolhem o caminho mais difícil, mas mais eficaz, de reconstruir a confiança pública com realismo, decência e persistência.

A democracia, que prometia inclusão e progresso, passou a ser vista por muitos como um mecanismo distante e ineficaz, incapaz de proteger os cidadãos da injustiça e da exclusão. O cidadão comum, que acreditava no poder do voto e na força das instituições, passou a sentir-se irrelevante. O desencanto transformou-se em cinismo e o cinismo, em raiva.

A fadiga da democracia não é apenas política sendo sobretudo existencial. É o cansaço de viver num mundo em constante aceleração, onde o tempo para pensar e o espaço para compreender foram substituídos pela urgência do agora. É o esgotamento de sociedades que já não confiam no futuro e que, por isso, se deixam seduzir pelas promessas do passado.

As palavras simples e as respostas fáceis substituem o debate complexo e o compromisso democrático. Os extremos apresentam-se como autenticidade, enquanto o diálogo é caricaturado como fraqueza. No meio desse ruído, a razão perde o seu lugar, e a emoção torna-se a nova gramática da política. O populismo, seja de direita ou de esquerda, prospera onde a esperança se mistura com a frustração e onde o cidadão, desiludido, procura em líderes providenciais o que já não encontra nas instituições.

E, no entanto, a moderação, hoje tão desprezada, é a verdadeira forma de coragem política. Não é fraqueza nem neutralidade, apenas a virtude da resistência contra o simplismo. Num tempo que idolatra o instante, a moderação é uma forma de resistência democrática.