A desajeitada comunicação do Governo

Tal como o PS, a AD montou uma máquina de comunicação grande, mas inábil.

Nota prévia: O naipe de candidatos a Belém está completo. As sondagens multiplicam-se com resultados contraditórios. É normal nesta fase. A barrigada de debates pode clarificar, mas não decide. Uma segunda volta é inevitável. Aí, a capacidade política de cada um, o apoio dos que ficaram pelo caminho e das forças vivas serão essenciais. Tal como o humor de ressaca das festas. Convém lembrar que a primeira volta ocorrerá na véspera do dia estatisticamente mais depressivo do ano: a terceira segunda-feira de janeiro. Um horror!

1.Na senda dos governos de António Costa, os de Montenegro montaram uma ampla máquina de comunicação. Há diversos patamares de pensadores profissionalizados, agências especializadas e assessores de imprensa clássicos. O grande orientador é Leitão Amaro, pelo menos quanto aos ministros mais inexperientes. Os mais batidos têm o seu staff. Globalmente, a parafernália integra ‘spin-doctors’, ‘videógrafos’ e fotógrafos; serve para propagandear, governar de anúncio e influenciar redes sociais e media, além de preparar respostas e guiões para opinadores, deputados e meros cartilheiros. A maior parte da comunicação social está tão débil que absorve e reproduz a verborreia governativa e a deplorável réplica das oposições, nomeadamente do Chega, o mais vocal. Apesar de gigante e cara, a máquina de propaganda governativa desafina. Viu-se nos últimos dias com a ministra da Saúde. Na ânsia de responder e explicar tudo num ápice sobre o caso da morte de uma grávida guineense e da criança que trouxe ao mundo, a ministra foi levada a mentir na Assembleia. Nem ela nem a máquina pararam para investigar minimamente. A governante falou de cor. Generalizou e levou o caso para o terreno do ‘turismo de parto’, quando, afinal, era mais uma falha do SNS. A ministra estava mal informada pela ULS – Amadora-Sintra, o que levou à saída do respetivo presidente. Com isto, a ministra ficou ainda mais desacreditada. Não só pelas falhas quanto a casos concretos, mas ainda pela incapacidade de o Governo resolver estruturalmente urgências, hospitais, carreiras médicas, soluções para infraestruturas podres e perigosas para doentes e profissionais (veja-se no Egas Moniz o pavilhão da dermatologia). Para já não falar dos estranhos negócios de milhões dos helicópteros do INEM, sempre cheios de contingências técnicas. Apesar dos ‘expertos’ que integram a máquina. Leitão Amaro, ele próprio embrulhado em situações que envolvem a compra de uma casa e negócios de familiares, que trazem manchetes negativas, não tem conseguido operacionalizar um método de comunicação eficaz. É, pois, urgente que afine a orquestra de forma a que reaja sem precipitação, com maturidade e com rigor. Responder emocionalmente na hora em regra acaba mal (está à vista com os desenvolvimentos da tragédia do elevador da Glória). Em tempos, Passos Coelho, um ponderado, incumbiu o secretário de Estado Pedro Lomba (ligado ao inefável Poiares Maduro) de promover diariamente briefings para os jornalistas. Foi um tiro no pé e uma galhofa nas redações. Convinha evitar repetições.

2. As sistemáticas coincidências entre ações espetaculares do Ministério Público e cerimónias ou eventos mediáticos de natureza política, económica, desportiva ou outra, torna difícil acreditar tratar-se de acasos. Desde logo porque, como cidadão obrigatoriamente informado, aquele que exerce a investigação judicial em nome do povo tem obrigação de conhecer os calendários das ações que dizem respeito à sua área. Na semana passada ocorreu mais uma estranha conjugação astral. Na hora em que decorria, no Ministério das Finanças, a cerimónia da venda do Novo Banco a um banco popular francês, as redações eram alertadas para uma aparatosa operação de buscas no Novo Banco (ex-BES) e na consultora KPMG. Alertados, os presentes desapareceram num fósforo e em silêncio. O resultado das buscas, mais de trinta, foi pífio. Não produziu nem um arguido para amostra. Há muito que se dizia ser preciso investigar a forma como tudo se passou no processo de liquidação do BES/GES, o qual envolveu a criação do Novo Banco, a sua compra e venda pela Lone Star, um banco mau, um fundo de resolução e a alienação de património, nalguns casos por valores considerados irrisórios. Isto para além dos muitos milhões que os portugueses pagaram ou perderam das mais diversas formas, por causa da gestão de Ricardo Salgado e cúmplices. Mesmo assim, escolher uma data simbólica do processo de saneamento para atuar judicialmente parece uma campanha oca de ‘Black Friday’. Desde logo porque se sabe de ciência certa que depois destas bravatas públicas passam meses e anos com tudo parado. Até que, em momentos decisivos, reaparecem com estrondo notícias de movimentos que voltam a fazer primeiras páginas e aberturas de telejornais, como se viu há dias.