A idade que vive em nós

Envelhecer não é perder a juventude. É dar-lhe espaço para que se possa transformar e reinventar.

Não crescemos todos da mesma forma nem ao mesmo ritmo, e por dentro teremos sempre uma idade diferente do número de velas que apagámos no bolo da última vez.

Todos conhecemos pessoas que, embora envelheçam por fora, mantêm uma juventude intocada.

Por exemplo, a minha tia Laurinda, que no bilhete de identidade ostentava quase 100 anos, sabia que seria sempre uma criança. E nós também sabíamos. Era brincalhona, tinha os olhos sorridentes, pregava partidas à irmã mais velha e tinha uma enorme adoração por crianças – brincava comigo e com a minha irmã como se tivesse a nossa idade.

Cada um de nós assiste ao seu próprio crescimento de forma diferente. Há quem tenha de crescer demasiado depressa e quem não sinta os anos passar.

Quantas vezes assistimos a encontros de velhinhas, cada uma mais engraçada e bem-disposta do que a outra, que possivelmente cresceram juntas, sem se darem conta do tempo que passou. Mantêm o mesmo espírito, as mesmas piadas e as mesmas conversas que tinham aos 17 anos. E é assim que continuam a ser umas para as outras: um grupo de jovens.

Muitas vezes o corpo não anda de mão dada com o espírito. As articulações começam a empenar, o cabelo a clarear, as rugas instalam-se impiedosamente, mas o espírito mantém-se leve, curioso e risonho. Não se reconhece nas mãos trémulas, nem no andar demasiado vagaroso.

Mas há também quem carregue pesos alheios desde tenra idade, que cresça com mais responsabilidade e, por vezes, aparente ter mais idade que tem. Às vezes são pessoas que tiveram de amadurecer demasiado depressa, deixando para trás a leveza da juventude. Encaram o mundo com maior seriedade e preocupação, e as rugas internas instalam-se ainda antes de se tornarem visíveis – para elas, parece tudo mais difícil e pesado.

O mesmo calendário parece andar a vários ritmos e não passa por todos da mesma forma. Muitas vezes nunca chegamos a casar a idade que habita em nós, embora a vida passe demasiado depressa para quase todos.

Lembro-me de, há dois anos, no aniversário dos 80 anos do nosso tio António, um irmão do pai lhe dizer do alto dos seus 99 anos:

– Oitenta anos? Ó António, ainda és um jovem!

E de facto é. O que só nos mostra como o tempo é relativo.

Talvez dentro de nós possam coexistir várias idades: a criança curiosa, o adolescente irreverente e sonhador, o adulto responsável e o ancião mais cansado.

Não envelhecemos de forma linear e por dentro somos como uma manta de retalhos que se vai cosendo, de várias idades e tempos. Há dias em que o riso é fácil e solto, quase infantil, e outros em que o peso dos anos nos quer mais recolhidos. O que nos faz inteiros é permitir que todas essas idades possam existir em nós e que possam conversar sempre entre si, amigavelmente.

Envelhecer não é perder a juventude. É dar-lhe espaço para que se possa transformar e reinventar, juntamente com o que vamos aprendendo com os anos. Sem abrir mão da leveza da infância, do olhar curioso, da capacidade de brincar, de nos deixarmos levar e surpreender, como se fosse a primeira vez. Que nos permitirá, mesmo com rugas, continuar a encontrar na chama das velas a alegria e o fascínio pelo brilho da vida.