Leandro Erlich. O artista argentino que brinca com as nossas cabeças

Pegar em cenários que nos são familiares e transformá-los com o objetivo de nos fazer duvidar daquilo que vemos. Erlich gosta da ideia de questionar as certezas e todas as suas obras pretendem tirar o público da sua zona de conforto

Alguns chamam-lhe o «arquiteto da incerteza», «um mestre que desafia as nossas perceções», um «recriador do mundo que vemos». A verdade é que se destaca pela sua capacidade de transformar espaços comuns em cenários extraordinários, convidando quem os visita a questionar a realidade. Leandro Erlich, de 52 anos, cria cenários que desorientam, convidam à brincadeira e provocam reflexão através de ilusões de ótica e truques visuais. Faz jogos entre o real e o imaginário, o familiar e o estranho. Por norma, o artista pega em situações que nos são conhecidas dando-lhes um toque de surrealismo, tirando assim o público da zona de conforto ao criar um deslocamento entre o que o cérebro espera entender de uma situação e o que o olho está a ver. «Estou interessado principalmente em transformar elementos que as pessoas acreditam que não podem ser transformados, que não podem ser diferentes. Apresentar a possibilidade de transformar o que existe numa outra coisa, e essa ação convida-nos a imaginar a realidade de uma maneira diferente», disse numa entrevista à revista de arte Arqxp.

O trabalho de Erlich 

Das suas obras mais conhecidas fazem parte Swimming Pool (Piscina), uma instalação que recria uma piscina com água superficial sobre uma superfície de vidro. Os espetadores podem entrar na piscina por baixo, criando a ilusão de estar debaixo de água sem se molhar; Window with Ladder – Too Late for Help (Janela com Escada – Tarde Demais para Ajuda), onde vemos uma escada que leva a uma janela suspensa no espaço, criando a ilusão de que os espetadores estão a olhar para um edifício que já não existe; La Torre (A Torre), uma instalação que consiste numa série de portas de elevador que levam a lugar nenhum, criando uma ilusão de um edifício em constante expansão vertical; Changing Rooms (Salas de Troca) que recria uma série de cabines de provadores de loja equipadas com espelhos de corpo inteiro, bancos e cortinas. Os espetadores são convidados a interagir com as cabines, criando uma experiência imersiva e participativa, e ainda Maison Fond (Casa Fundida), uma casa de campo vitoriana do final do século XIX, inclinada num ângulo incomum, criando a ilusão de que está a afundar no solo. 

Outra obra desconcertante de Erlich é Classroom (Sala de Aula). Nela, a imagem do visitante é refletida num vidro, como se ele fizesse parte da cena. Nessa cena, as pessoas parecem uma espécie de fantasma, como se estivessem numa sala de aula abandonada – as memórias de infância projetam-se para um cenário de crise e de abandono.

Recentemente, o artista argentino levou à praça do Parque Lourdes – a propósito daquele que é considerado um dos eventos culturais mais importantes da Colômbia e da América Latina, a Bienal Internacional de Arte e Cidade –, Pulled by the Roots (Casa no Ar), uma casa tradicional suspensa por um guindaste e com as suas raízes expostas. Nesta instalação, o espetador depara-se com essa casa, desenraizada, mas que preserva a arquitetura dos bairros tradicionais que gradualmente vão desaparecendo para dar lugar a prédios. Essa imagem prevalece sobre um cenário emblemático de Bogotá: uma igreja neogótica e as colinas orientais – duas referências que «evocam uma cidade que resiste à passagem do tempo». O objetivo do criador é deixar um comentário sobre o desalojamento e a transitoriedade, criando um contraste entre a casa frágil e a infraestrutura permanente da cidade. Numa entrevista à rádio LAFM, o artista explicou que a casa se conecta com a ideia de felicidade e o valor simbólico de possuir uma casa própria. «A casa é um conceito bastante universal e gera diferentes interpretações possíveis», afirmou, revelando que escolheu a tipologia habitacional enquanto explorava bairros próximos. A instalação dialoga com o ambiente urbano e «o seu significado muda dependendo do contexto em que está inserida». Numa entrevista à revista VEJA, em 2022, quando estava a expor no CCBB de São Paulo, o artista argentino foi interrogado sobre a essência das suas obras. «Acho que o ordinário», respondeu. «É interessante explorar o ordinário porque nós não temos o tempo e espaço adequado para refletir sobre a natureza das coisas que fazem parte do nosso dia a dia. Gosto da ideia de questionar as certezas que temos, e nada é mais extraordinário do que conhecer algo e ficar chocado vendo esse algo transformar-se em algo novo», continuou, acrescentando que «outra coisa é a interação com o público». «Esse processo requer cumplicidade por parte do espetador, porque ele precisa de entender o que está a acontecer para participar na experiência», explicou. 

O gosto pelas ilusões e pela filosofia

Natural de Buenos Aires, Erlich é considerado um dos principais nomes da arte contemporânea do seu país. «Pintava quando era criança e divertia-me muito. Foi um processo. Ser artista é algo que vai sendo construído ao longo do tempo, através da conjugação de trabalhos e experiências. Não é apenas ir para a faculdade e conseguir um diploma. Depois da escola, optei por ir estudar arte e acabei por abandonar esse curso para estudar filosofia. A maioria dos artistas que me interessam são pessoas que estão à procura de explicações, descobertas, que querem partilhar isso com o público. Não há uma fórmula mágica para ser artista», acredita. E a filosofia reflete-se no seu trabalho: «Como artista, tenho uma intenção e um motivo para fazer o que faço (…) há um conceito filosófico do que é o trabalho, de chamar a atenção para o ordinário.  O significado de uma obra não é necessariamente o que o artista diz que é. A audiência tem outras perceções, e isso é totalmente normal. As pessoas consideram os meus trabalhos ilusionismos, ilusão de ótica ou algo assim. Pode ser, mas há um conceito que vai além disso. É algo que incentiva o processo crítico de convidar o observador a entrar na brincadeira e entender o que está a acontecer», revelou à publicação brasileira. 

As suas maiores referências passam por nomes como Jorge Luis Borges, considerado um dos maiores escritores do século XX, mas também personalidades do mundo da sétima arte: Alfred Hitchcock, Roman Polanski, Luis Buñuel e David Lynch, que, segundo Erlich, «utilizaram o quotidiano como palco para a criação de um mundo ficcional obtido através da subversão psicológica dos espaços quotidianos».