A fonte de Belém

A verdade é que Gouveia e Melo aparenta ser o melhor anti-Marcelo, sem intrigas nem politiquices. Os adversários vão tentar enredá-lo nesse jogo, é o antídoto contra a imagem séria do almirante.

Foi visível para todos a maneira muito lampeira como Marcelo Rebelo de Sousa se aprestou a comentar que não havia nenhuma entrevista ou referência sua em ‘on’ sobre escolhas nas altas esferas das Forças Armadas. Queria de imediato contradizer o transcrito de Valentina Marcelino que deu azo a um ‘take’ da Lusa sobre Gouveia e Melo.

O que disse o Presidente da República é verdadeiro. Não encontramos em lado nenhum palavra sua sobre o tema em apreço que se tornou polémico esta semana. Porém, a verdade de Marcelo Rebelo de Sousa tem, como já nos habituou em nove anos de magistratura de influência em que banalizou e tirou ‘gravitas’ às suas intervenções, muitas nuances.

Porque durante o seu consulado foram múltiplos os recados dados à estampa na imprensa através de uma tristemente célebre ‘fonte de Belém’. Ora, aqui é que a porca torce o rabo, pois saíram notícias – por via dessa mesma fonte – que exibiam o seu desamor e por vezes inveja do almirante. Para lá de uma vergonhosa capa em que se expunha falsamente que Gouveia e Melo queria dois submarinos para aceitar renovar o vínculo na chefia da Armada. A intenção era dar a entender subliminarmente que o almirante era interesseiro e chantagista, afundado no seu ego, desprovido de sentido de Estado e sem qualificações humanas para uma candidatura presidencial.

Gouveia e Melo não está imune ao erro e tem cometido alguns nesta sua jornada política. Contudo, para o país real – e não o das lantejoulas do comentariado – isso é fruto da sua obstinação e genuinidade. Porque a aura de autoridade e respeitabilidade permanece íntegra e imaculada aos olhos dos portugueses. Apesar de, na surra, se registarem uma série de caneladas de protagonistas do sistema, a quem não é conveniente a sua candidatura.

Quem tem aproveitado estes momentos é Luís Marques Mendes. Político experiente que sabe tudo sobre este jogo. Pretende bipolarizar com o almirante, como se já estivéssemos numa segunda envolvendo os dois. O território narrativo é simples: «Eu sou o homem sensato, equilibrado e traquejado, ele é intempestivo, diz disparates, é imaturo politicamente», esta é a imagem que o ex-líder do PSD, que enfrenta agora a sua primeira ida a votos, quer passar. É hábil, é compreensível, mas esta corrida não é a dois e há muitos ‘players’ que lhe fragmentam a base eleitoral.

O certo é que todos vestem a armadura de anti-Marcelo. A começar pelo próprio amigo Marques Mendes que referiu que um Presidente da República não deve pedir a demissão de ministros (a propósito da ministra da Saúde Ana Paula Martins), quando todos sabem que o inquilino de Belém pediu a demissão do ministro João Galamba por intermédio da dita fonte, aquando da crise na TAP e do estapafúrdio episódio de um assessor no Ministério.

O ocaso de Marcelo Rebelo de Sousa marca o fim das ‘selfies’, do Presidente-comentador que falava por tudo e por nada e das águas inquinadas e pouco cristalinas da ‘fonte de Belém’. O país cansou-se de Marcelo e todos os candidatos cortam com esse passado. O perfil do Presidente da República vai ter de mudar, é uma obrigação cívica. E a verdade é que Gouveia e Melo aparenta ser o melhor anti-Marcelo, sem intrigas nem politiquices. Os adversários vão tentar enredá-lo nesse jogo, é o antídoto contra a imagem séria do almirante.

Comentador CNN