E se não tivesse havido geringonça?

O país seria muito diferente se Costa, Jerónimo e Catarina não se tivessem aliado há dez anos. Haveria mais PCP e BE e menos Chega e IL. Como diz Cotrim, ‘imagina Portugal’.

Portugal, novembro de 2025. António Costa e Paulo Portas lideram as sondagens para as eleições presidenciais de janeiro, no regresso de ambos à política ativa – Costa depois da travessia do deserto subsequente à derrota nas legislativas de 2015; Portas acabando o interregno após sair do governo para as legislativas de 2019. Um dos dois deverá ser o sucessor de Marcelo Rebelo de Sousa, a quem o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, voltou a chamar de ‘catavento’, frisando a distância política que levou o PSD a não apoiar Marcelo nas eleições de 2021, antes de um segundo mandato presidencial discreto e virado para África.

Se Portas recolhe o apoio dos dois maiores partidos da direita, PSD e CDS, Costa não alarga o apoio além do do PS, já que BE e PCP mantêm a posição histórica de autonomia face aos socialistas, apesar dos esforços do secretário-geral do PS, Fernando Medina, que saiu reforçado politicamente das autárquicas, com a vitória de Duarte Cordeiro na câmara de Lisboa, que José Luís Carneiro não logrou no Porto, que elegeu Pedro Duarte.

Passos, também presidente do PPE, prepara-se para um cargo europeu, num esforço diplomático que envolve o eurodeputado Carlos Moedas e a influência discreta da governadora do Banco de Portugal, Maria Luís Albuquerque. Passos acusa o cansaço de ser o primeiro-ministro mais tempo em funções, apesar do apoio de ministros como Luís Montenegro e do líder da bancada parlamentar, Miguel Morgado, mas é André Ventura, vice-presidente do PSD, quem se perfila para a sucessão na São Caetano à Lapa.

Entretanto, o governo apresentou aos sindicatos a proposta de aumento do salário mínimo em 2026 para 690 euros, longe do salário médio. Depois das críticas dos patrões à escassez de mão de obra, prevê-se um debate aceso no Parlamento, com os últimos dados a revelarem o aumento do número de imigrantes para os atuais 750 mil. O PS acusa o primeiro-ministro de ‘fetiche pela austeridade’, enquanto o PSD…”

Portugal seria um país muito diferente se António Costa não tivesse inventado faz agora dez anos a solução governativa original que transformou um derrotado num primeiro-ministro. A falsíssima ‘notícia’ em cima estende esse exercício, especulativo e lúdico, apenas para propor que se pense nas consequências políticas de uma decisão que mudou tudo. Mesmo tudo.

Entre milhões de coisas que não conseguimos imaginar, é legítimo supor algumas coisas: com Passos, haveria menos funcionários públicos, que continuariam a trabalhar 40 horas por semana; as contas estariam certas mas à custa de menos despesa e não de menos investimento, com a receita mais dependente dos impostos diretos (nomeadamente IRS) e menos dos indiretos. A Carris e a TAP seriam privadas. O salário mínimo teria subido menos e as leis laborais seriam mais flexíveis. A economia andaria na mesma à boleia do turismo, mas cresceria menos à custa do consumo – porque haveria menos imigrantes e, portanto, também menos trabalhadores ativos, e com menor pressão imobiliária – e mais à custa do investimento. E a gestão da pandemia teria sido muito mais liberal, sendo que o ‘diabo’ (que estava nos problemas gigantes mas ocultados na banca em 2015) teria sido mais assentido do que negociado com Bruxelas.

É, no entanto, na política que o exercício se torna mais interessante. Na ‘notícia’ em cima, os nomes são a simulação pensável de um contrafactual impossível: Costa não teria sobrevivido politicamente à derrota de 2015 e, como nunca quis ser outra coisa que não político, poderia ter construído um caminho para regressar sucedendo a Marcelo; Passos teria perdurado por ter o ciclo económico a seu favor, ‘comendo a carne depois de roer o osso’, e, como nunca quis ser outra coisa que não político, seria um homem bem resolvido; à esquerda, PCP e Bloco não teriam sido dizimados pelo abraço de urso do PS; à direita, nem a IL nem o Chega teriam tido espaço para crescer muito, porque Passos era simultaneamente liberal na economia e conservador fora dela.

E depois, claro, há coisas que seriam sempre iguais. Seríamos bons alunos à espera de subsídios europeus, os nossos bancos privados seriam todos estrangeiros, Ronaldo estaria a caminho do milésimo golo, o processo de Sócrates teria crimes em risco de prescrição e, claro, você estaria neste momento a ler o SOL.