Às vezes, em Palestras, começo por pedir para imaginarem um telefonema de um colaborador para a sua chefia e faço um diálogo deste género: – Estou a ligar porque tinha a apresentação dos resultados do trimestre para amanhã, era eu que ia fazer a apresentação. Só que o meu sogro morreu hoje de manhã…
– Lamento muito… não sabia….
– Pois, foi de repente… como é que querem que faça?
– Onde é o Velório, em Lisboa?
– Sim.
– E a que horas é?
– Começa às 14h00.
– Então se a tua apresentação fosse a primeira da manhã… depois podias ir logo embora, nem assistias às outras…
Algumas pessoas riem do absurdo, outras fazem só um esgar de repulsa. Mas quando digo que este diálogo não só é verdadeiro como conheço dezenas de variantes do mesmo a atitude muda. E frequentemente há alguém que diz: «Eu sei que acontece porque a nós já aconteceu uma história parecida». Algumas pessoas começam a questionar: «Mas quem é a pessoa que diz uma coisa destas a alguém? O problema é essa pessoa!». Procuro mostrar que a maneira mais fácil de olhar para um caso destes é esse, identificar a “maçã podre” do cesto. Num caso de bullying, por exemplo, seria identificar e apenas intervir com a criança que fez bullying. Sabemos que não funciona, a psicologia social mostra-nos que os grupos condicionam comportamentos e a pessoa que fez a proposta indecente da apresentação ser de manhã provavelmente também não sente o direito de dizer a única coisa aceitável: «Podes mandar a apresentação que tens, e não penses mais nisto. Há alguma coisa em que nós possamos ajudar nestes dias?».
Por ser psicoterapeuta, tenho acesso à vida real das pessoas e por isso sei as história e o sofrimento acumulado por trás de um post no LinkedIn a dizer ‘Chegou a altura de mudar de trabalho e de abraçar novos desafios’. Sei também que nos habituamos a sentir desrespeitados no trabalho, a sentir uma certa culpa por ter vida pessoal, como se estivéssemos a trair o trabalho. Vejo a ansiedade de muitas pessoas por dizerem que têm de faltar porque uma criança está doente, porque é preciso levar um pai a um exame médico ou porque há uma festa na escola. E se a razão para sair às 17h00 nesse dia for para ir lanchar com amigos, ir a um date ou a uma aula de Yoga, ainda é mais difícil de o dizer porque o julgamento social será ainda mais negativo. Na maior parte das vezes, a crítica é subtil: «Ah…Pois é, esqueci-me que hoje tens de ir à festa…» ou «Hoje não trabalhas à tarde? (sorriso)» para alguém que sai às 16h30. Ou quando alguém vai de férias «Vais abandonar-nos!…». É uma desaprovação subtil, mas consistente e geral. Parece haver uma cartilha com as regras não escritas do comportamento a ter no trabalho; a ideia base é: Finge que nada na tua vida é mais importante do que trabalhar (ou fingir que estás a trabalhar). Como se dar prioridade e espaço a outras áreas da vida nos transformasse instantaneamente nuns incompetentes irresponsáveis. E é assim, obedecendo a estas regras que chegamos ao absurdo de aceitar pacificamente encaixar uma apresentação antes de um Velório.