Evasão fiscal não é um problema cultural

Definir ‘cultura’ não é fácil, nem consensual. Porém, seja o que for (práticas, valores, crenças, saberes, costumes, expressões artísticas ou modos de vida), é algo que dá identidade a um povo.

Economia informal refere-se às atividades económicas que não são regulamentadas, registadas ou fiscalizadas. Trata-se da produção que ocorre fora das normas legais, tributárias e do mercado de trabalho. Abrange atividades ilegais e legais não formalizadas.

Não sendo observável, tem de ser estimada por métodos estatísticos. Dependendo destes, obtêm-se valores distintos. Estudos credíveis chegaram a valores entre 24% (CEPR) e 35% (FEP) do PIB. Outros indicam valores mais baixos, mas todos apontam no sentido de o nosso país registar dos níveis mais elevados da UE.

É aceite que a evasão fiscal é uma das mais importantes motivações da economia paralela. É também comum invocar-se o fator cultural como uma das principais explicações para o facto de a evasão fiscal ser especialmente elevada entre nós. É a rejeição desta tese de que se ocupa este texto.

Definir ‘cultura’ não é fácil, nem consensual. Porém, seja o que for (práticas, valores, crenças, saberes, costumes, expressões artísticas ou modos de vida), é algo que dá identidade a um povo. Algo, pois, que o distingue dos outros. É este ponto que fundamenta a minha perspetiva. Não há nada que nos distinga dos demais povos no que respeita à tendência para praticar evasão fiscal. Não é nada de intrínseco ao nosso carácter, à nossa forma de pensar ou à nossa forma de ser. O problema é a norma social instituída.

Comecemos por clarificar este conceito. Os italianos costumam dizer que «um semáforo em Milão é uma lei, em Roma é uma sugestão e em Nápoles é uma decoração de Natal». O povo é o mesmo, a cultura é uma só, e o seu comportamento é distinto. Um milanês que se desloque a Nápoles passará a conduzir como os locais, e um napolitano em Milão comportar-se-á de acordo com a norma social local.

Também nós, o povo português, nos comportávamos de forma distinta da atual em muitos aspetos. Há alguns anos era comum atirar pontas de cigarro ou garrafas de água para o chão. Também era comum o desrespeito pelas filas de espera. Hoje estes comportamentos estão, no essencial, arredados da prática quotidiana. A nossa cultura mudou? É essa mudança que justifica a alteração de comportamento? Não e não. O que mudou foi a norma social. A forma como achamos que os outros esperam que nos comportemos. Isso é que mudou.

Uma norma social é uma regra implícita, não escrita, que orienta e regula o comportamento individual dentro de um grupo ou sociedade. Essas normas definem quais ações são consideradas aceitáveis, esperadas ou valorizadas e quais não são, influenciando fortemente as decisões de cada um. As normas sociais são sustentadas por expectativas. A expectativa de que muitas outras pessoas façam o mesmo. A expectativa de que um número suficiente de outras pessoas ache aceitável ou expectável que essa norma seja seguida.

Assim, quando alguém propõe a um cliente que a transação não seja faturada, ou um empresário pede ao contabilista para que registe como gasto da empresa uma despesa pessoal, fá-lo porque acha que na mesma situação muitos outros fariam o mesmo, e que o seu interlocutor vai considerar aceitável esse comportamento.

Felizmente, pois, o problema não é cultural. Não nos é intrínseco. Por isso, é resolúvel. As normas sociais, ao contrário das normas morais, são condicionais. Donde, mutáveis. É possível gerar novos equilíbrios rapidamente. Foi isso que aconteceu com o deixar de deitar lixo no chão e o passar a respeitar as filas de espera.

Para mudar uma norma social, a solução é focarmo-nos nas expectativas. Se pudermos mudar as expectativas (quanto ao comportamento esperado e aos benefícios/penalizações), podemos mudar rapidamente o comportamento.

Assim, é possível mudar a nossa conduta. A primeira condição para isso é ter um sistema fiscal que crie os incentivos certos, que seja visto como minimamente justo, racional e que imponha um esforço fiscal razoável. A segunda é que haja a convicção de que o dinheiro arrecadado com os impostos é minimamente bem gasto. Não é essa, infelizmente, a realidade atual.

Professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto,
Vice-Presidente da SEDES