Nota prévia: Apesar dos 50 anos da independência de Angola, não há nota de alguém ter prestado a devida homenagem ao general Gonçalves Ribeiro. Foi ele que pôs no ar a gigantesca ponte aérea que trouxe de Angola para Portugal mais de meio milhão de refugiados, salvando muitas vidas. Foi uma operação logística jamais vista ou repetida, altamente complexa que envolveu muita negociação e obrigou a ultrapassar fortes resistências internas. Este verdadeiro herói merece ser evocado, até pela forma discreta que manteve, nunca querendo tirar vantagens políticas ou militares de tão notável feito e da forma como geriu o Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais, criado para ajudar à integração de quem veio das ex-colónias.
Apesar de poderem influenciar os eleitores, os debates televisivos em curso dificilmente mudarão a circunstância de os candidatos presidenciais se dividirem entre potenciais vencedores e figurantes. As recentes sondagens confirmam-no. Tendem até a mostrar que os portugueses sabem já quem não querem, estando indecisos quanto aos dois que irão à segunda volta. O estudo da Pitagórica não trouxe nada que uma pessoa medianamente informada não tivesse percecionado. No lado dos figurantes, temos Jorge Pinto, António Filipe, Catarina Martins e André Ventura. Os três primeiros estão excluídos por razões diferentes. Jorge Pinto porque ninguém o conhece e porque o modo como foi imposto nada tem da proclamada democracia interna do Livre, remetendo para o método soviético. António Filipe e Catarina Mendes são outra coisa, mas vêm dar ao mesmo. São frequentadores habituais da bolha político-mediática. Estão lá para segurar os resíduos dos seus partidos e para acicatar ódios contra os concorrentes não marxistas. No campo dos figurantes, o mais destacado é o frenético André Ventura. Por mais que grite e faça números, está deslocado e não tem a mínima consistência para o lugar. Ventura lembra o Guimarães no futebol. Nunca ganha o campeonato, mas tem uma claque barulhenta que intimida. Ventura proclama a aspiração de passar à segunda volta. Na realidade é coisa que não lhe convém, a fim de evitar uma copiosa derrota, dada a sua brutal taxa de rejeição. Antes de passar aos verdadeiros atores da corrida a Belém, há que referir a existência de um híbrido neste naipe. Trata-se de Cotrim de Figueiredo. O eurodeputado tem mais de ator secundário do que de mero figurante. É certo que a sua passagem pela política pouco mais trouxe do que a IL, um pequeno partido liberal onde todos se detestam, mas que, mesmo assim, comeu o espaço do histórico e moribundo CDS. Cotrim é fluente, entra bem na classe média liberal e na do ‘monobeijo’, teve relativo sucesso profissional e tem boa pinta, o que também conta. É, todavia, improvável que passe à segunda fase, mas tem crescido e pode ganhar mais com os dislates extremistas de Ventura e eventuais erros dos favoritos. O seu espaço sociológico coincide, parcialmente, com o dos três favoritos e o do Chega, captando eleitores de redes sociais e jovens, até porque não lhe pesam os seus 64 anos. Apesar de Cotrim e Ventura, os potenciais vencedores têm-se mantido: Marques Mendes (em processo sistemático de afirmação), Gouveia e Melo (em regressão popular e em perca junto dos média e das redes) e António José Seguro (a ganhar espaço na esquerda moderada e odiado pela clique de socráticos que viraram costistas). Seria surpreendente os debates e a campanha eleitoral alterarem o claro favoritismo dos integrantes do trio de principais candidatos, dos quais um ficará fatalmente pelo caminho. Já a finalíssima da segunda volta é um jogo de aposta tripla. Se, inopinadamente, passasse Ventura ou Cotrim, essa etapa não deveria ser problemática para Marques Mendes, Gouveia e Melo ou Seguro. Entre o momento de escrever estas linhas e a votação faltam dois meses, com Natal e Ano Novo pelo meio. Há muito para acontecer e o jogo de apoios na segunda volta pode influenciar. Mesmo assim, não deve acontecer nada que se pareça com a epopeia de Mário Soares, em 1986, que partiu de 8% para ganhar a Freitas do Amaral numa frenética segunda volta por cerca de 100 mil votos, sensivelmente a lotação do antigo Estádio da Luz. Outro século, outra gente, outros interesses e protagonistas que não foram intervenientes na fundação da democracia, sendo antes produtos dela. O ciclo dos que tinham vida política pré-democrática fecha-se com Marcelo Rebelo de Sousa.