E se eu começar a chorar?

Chora-se de tristeza, de raiva e de medo: o choro permite processar, adaptar, relaxar, clarificar o pensamento. O choro é saudável.

Como para além de ser psicoterapeuta também trabalho como executive coach, é comum aparecerem pessoas com problemas relacionados com o trabalho. Um pedido bastante frequente é este: «Eu gostava de falar com o meu chefe, dizer-lhe coisas que eu acho que não estão bem mas tem de me ajudar a fazê-lo sem começar a chorar». É um pedido com uma resposta fácil: Não é possível. Nem eu nem ninguém sabe se começará ou não a chorar se tiver esta conversa com o seu chefe e não, não consigo ajudar a garantir que não chora. Conseguimos imaginar a conversa, antecipar as suas possíveis consequências, planear diferentes decisões, e treinar o que dizer e como dizer. Também conseguimos ensaiar reações prováveis do seu chefe e diferentes respostas a estas reações. Agora se vai chorar ou não, está fora do nosso controlo. E até pode chorar, o importante é que, mesmo chorando, continue a falar. São dezenas de pedidos destes, na maioria de mulheres. Não acho muito interessante discorrer aqui sobre genética ou cultura, até porque enquanto a educação de rapazes e raparigas continuar a ser tão diferente e as mulheres continuarem a ser vistas como “histéricas”, porque dão dois gritos, e os homens como “mariquinhas”, se disserem que têm medo de alguma coisa, a explicação genética é só a resposta típica de tiktokers que usam expressões como “ideologia de género”. Mas este texto não é sobre diferenças de género, é sobre aceitar ser maltratado no trabalho. É sobre preferir ficar e sofrer passivamente a poder ser julgado por alguém por ter chorado.

O que é que há assim de tão mau em chorar? Para o senso comum, nem uma explosão de fúria tem tão má fama como uma crise de choro. Sabemos de onde vem: um analfabetismo emocional histórico seguido do movimento do pensamento positivo que com o seu lema “only good vibes” ensinou-nos que alguém triste ou a chorar é “tóxico”. Chora-se de tristeza, de raiva e de medo e o choro permite processar, adaptar, relaxar, clarificar o pensamento. O choro é saudável, o choro é humano.

Outra ideia que parece ser indiscutível é a máxima «Mas depois, se eu levantar ondas, as pessoas podem dizer mal de mim…». E então? Sim, há uma probabilidade alta de já haver pessoas a dizer mal de si ou de mim. Podemos aceitar, pode ser só desagradável, não tem que ser insuportável. E muito menos a razão para evitar conversas que nos podem levar a mudanças boas para a nossa vida.

Não sou uma guru da autoajuda nem uma life coach, não acredito em soluções únicas nem em palavras mágicas e também não dou conselhos. Quando falamos de conversas difíceis começamos por avaliar riscos, consequências e recursos disponíveis (emocionais, financeiros, sociais). E sim, muitas pessoas não têm condições de vida para fazer escolhas destas, pelo menos não agora. Mas vejo muitas que se habituaram a não ter liberdade nem vontade, por medo do confronto, por medo de desiludir e por um pânico que nos paralisa: o medo do desconhecido, da incerteza, da ambiguidade. E o tempo e a vida vão passando.