Sim, o grande tráfico de droga é terrorismo

Trump tem razão em considerar a Venezuela de Maduro um narco estado.

1. Dentre muitas ideias abstrusas, há pelo menos uma em que Donald Trump tem razão: considerar terrorismo o tráfico de droga em larga escala. Melhor ainda era alargar o critério aos estados reconhecidamente produtores e facilitadores de passagem (Colômbia e México, por exemplo), ao gigantesco branqueamento de capitais e aos prodigiosos lucros de um flagelo que já matou milhões de consumidores e gerou todo o tipo de guerras sangrentas entre gangs e mesmo estados. É pena que Trump não tenha seguidores e esteja a limitar a sua opção à Venezuela, por razões que têm também muito a ver com grandes interesses petrolíferos, aversão à ditadura comunista de Maduro e à sua fanfarronice. Útil mesmo era colocar na lista e atuar sobre mais uns quantos regimes da América Latina, África e Ásia. O tráfico de droga e toda a violência que envolve destroem as sociedades liberais. Não há democracia ocidental a salvo, até porque boa parte do dinheiro que o tráfico gera entra mais tarde no circuito legal, sendo igualmente utilizado para fins políticos ao sustentar movimentos terroristas ligados a extremismos, nomeadamente muçulmanos. A gigantesca indústria de armas ligeiras é também largamente alimentada por grupos e estados ligados à droga. Portugal não está imune ao tráfico, à lavagem, à recirculação financeira e aos danos na saúde provocados pelo consumo. A configuração da violência ligada à droga está a escalar com a instalação evidente de cartéis e dos seus sicários, que têm matado à queima roupa e em acertos de contas. Há dias, ao largo da Madeira, foram apreendidas sete toneladas de cocaína, a maior quantidade de sempre na nossa proximidade. O peso confirma que estamos numa dimensão gigantesca e não na escala humana das chamadas mulas, que transportam droga dissimulada em malas ou no corpo. Há cada vez mais produção, mais consumo, mais dinheiro a circular, mais lavagem sistemática em muitas atividades, mais crime associado e mais perigo para a saúde pública. Entre nós, o caso não é ainda limite porquanto somos ponto de passagem e não um mercado de consumo generalizado como a França, nomeadamente. Mesmo assim, a situação interna é preocupante. O tráfico e venda ocupam a tempo inteiro gangs organizados e famílias de marginais que constituem uma rede capilar de distribuição, dotada de meios diversos. Na origem desta saga estão a produção e o tráfico. E aí é perfeitamente aceitável o critério de considerar a sua produção e movimentação em lanchas rápidas atos terroristas face aos quais a sociedade tem legitimidade para intervir com o uso de uma força absoluta, tal como o faz quando deteta um movimento terrorista de natureza político-religiosa. Até porque os traficantes não hesitam em reagir com extrema violência quando são surpreendidos. Foi o que fizeram há dias no Guadiana quando abalroaram um barco, matando um GNR, que participava numa interceção não violenta. Nos termos de Trump a abordagem seria feita de outra maneira.

2. Não há dia em que não sejamos surpreendidos com um caso de justiça. Umas vezes por abuso de manobras dilatórias das defesas, como nos casos Marquês e BES; outras por ações espetaculares e mediatizadas de que nunca mais se ouve falar; outras ainda por sentenças absurdas face aos crimes praticados, seja pela brandura ou pela dureza. Isto para não falar da lentidão e falta de meios da máquina. É verdade que essa máquina tem culpas próprias que radicam no seu corporativismo, no desleixo e na descoordenação entre os diversos agentes. Os políticos adoram pronunciar-se sempre que surge um caso que dá brado. Face a essas dissertações, o cidadão comum e a comunicação social tendem a esquecer que é, precisamente, a classe política que faz as leis, que as publica e que outorga os meios para as executar. Há milhares de leis para tudo e mais alguma coisa. Da beata no chão ao crime mais crapuloso. Tudo está legislado e quase nada está bem, pelo que se vai sempre emendando, muitas vezes para pior e mais confuso. Uma análise cuidada permite verificar que normalmente a culpa do mal está num poder político que mexe em pormenores e esquece a substância. Ao menos na saúde os ministros falham porque tentam mudar estruturalmente as coisas para melhor. Na maioria das outras pastas não se pode dizer o mesmo. Pelo contrário. Por vezes até se fica com a sensação de que as mexidas visam facilitar interesses e tornar tudo mais complicado.