No final da terceira temporada de A Diplomata (Netflix), durante um jantar que reúne a presidente dos EUA, o primeiro-ministro britânico e o vice-presidente norte-americano com as respetivas esposas, alguém se refere a Kate Wyler – embaixadora e mulher do vice-presidente – como ‘a esposa de Heisenberg’, numa confusão com o físico que formulou o Princípio da Incerteza. O Primeiro-Cavalheiro, divertido, apressa-se a corrigir: «Não, não – esposa de Schrödinger!». A comparação é certeira: Kate e o marido vivem um ‘divórcio privado’ – casados em público, separados na vida íntima. Ela é simultaneamente esposa e não-esposa, tal como o gato de Schrödinger está ao mesmo tempo vivo e morto até que alguém abra a caixa para ver.
Criado como uma provocação filosófica para ilustrar o absurdo de aplicar os princípios quânticos a objetos do quotidiano, este exercício mental foi proposto em 1935 pelo físico austríaco Erwin Schrödinger. Imagina-se o gato numa caixa fechada, com um átomo radioativo com 50% de probabilidade de decair e um frasco de cianeto ligado a um mecanismo que, caso o átomo decaia, parte o frasco e o veneno libertado mata o bichano. Como, segundo a mecânica quântica, o átomo, antes de ser observado, pode ter decaído e não ter decaído – chama-se a isto uma sobreposição dos dois estados –, o gato encontra-se também, por extensão, numa sobreposição dos estados ‘morto’ e ‘vivo’.
Quando vi o final de A Diplomata, lembrei-me de um artigo recente da Chemical Science sobre uma molécula de carbono e hidrogénio, o dinafto[2,1-a : 1,2-f]pentaleno, em que anéis de seis membros – ditos benzénicos – podem alternar entre carácter aromático e antiaromático e que, em condições quânticas especiais, poderá até existir numa sobreposição dessas duas possibilidades, como o felino de Schrödinger.

Para perceber o que é a aromaticidade, costuma usar-se precisamente o benzeno, C₆H₆, cuja molécula, em forma de anel hexagonal, é particularmente estável porque certos eletrões – os chamados eletrões π – não ficam presos a ligações específicas; em vez disso, estão deslocalizados ao longo de todo o anel. O físico Erich Hückel mostrou que essa estabilidade depende do número de eletrões π no anel. A regra é simples: se o anel tiver 4n + 2 eletrões π (6, 10, 14…), é aromático (e estável); se tiver 4n eletrões π (4, 8, 12…), é antiaromático (e instável); se não for plano ou não tiver eletrões deslocalizados, é não aromático.
Na molécula de dinafto[2,1-a : 1,2-f]pentaleno há uma interconversão muito rápida entre duas formas quase equivalentes: numa delas, parte da estrutura é aromática; na outra, é antiaromática. A barreira energética que as separa é tão baixa que, mesmo a temperaturas muito próximas do zero absoluto (−273,15°C), o esqueleto de carbono consegue alternar entre ambas por efeito túnel – um fenómeno quântico que no mundo macroscópico seria impossível. A mudança é tão rápida que as técnicas de laboratório detetam apenas uma média das duas. O estudo sugere ainda que, em condições quânticas especiais, estas duas formas poderão existir em sobreposição, num estado que os autores comparam a um ‘gato da aromaticidade de Schrödinger’.
Curiosamente, faz este ano duzentos anos que Michael Faraday descobriu o benzeno – que, com seis eletrões π, é o exemplo clássico de uma molécula aromática – ao estudar o gás de iluminação obtido por aquecimento de óleo de baleia. Notou que nos reservatórios onde o gás era armazenado surgia um resíduo espesso e, ao destilá-lo, isolou um líquido incolor e inflamável, de aroma característico – daí a origem do termo químico ‘aromático’ – cuja análise revelou a composição C₆H₆. A estrutura em anel hexagonal com ligações simples e duplas alternadas só seria proposta em 1865, pelo alemão August Kekulé, mas, durante décadas, não existiu prova experimental que a confirmasse, nem sequer se sabia se o anel seria plano ou tridimensional. Apenas em 1929 a cristalógrafa inglesa Kathleen Lonsdale, através da difração de raios X aplicada ao hexametilbenzeno, demonstrou que o anel benzénico é plano e que todas as ligações entre os átomos de carbono têm o mesmo comprimento, comprovando, assim, a deslocalização eletrónica.
Moléculas como a do dinafto[2,1-a : 1,2-f]pentaleno poderão vir a ter aplicações futuras, desde interruptores moleculares e sensores muito sensíveis até possíveis elementos de tecnologias quânticas, como os computadores quânticos. Entretanto, aguardamos as surpresas da quarta temporada de A Diplomata.