Adolescência: uma fase em construção

Por dentro, muitas vezes reina o caos em construção, do qual o quarto é o seu espelho.

A adolescência está longe de ser uma fase fácil – tanto para quem a vive como para quem a observa. Quando a porta do quarto se fecha bruscamente, ou permanece demasiado tempo fechada, fica do lado de fora um pedaço de infância que o adolescente tenta deixar para trás. É uma barreira necessária, erguida entre o mundo interno em profunda transformação e o mundo exterior, do qual precisa de se diferenciar.

Há uma tentativa de cortar as amarras para se libertar do que foi, o que inclui os pais, enquanto representantes e testemunhas da sua infância. É uma rotura sentida como imprescindível para criar um território desenhado por si, inspirado em novos modelos de identificação que ajudarão a definir uma identidade própria.

O caminho, porém, é confuso e irregular. As bifurcações são muitas e nunca se sabe com clareza o que existe do outro lado, nem sequer até onde é possível chegar, pelo que a insegurança e a incerteza imperam. Mas, ainda assim, torna-se vital parecer firme, capaz e independente. Enverga-se uma capa protetora – que pode ser o silêncio à mesa, o revirar de olhos, as respostas curtas ou a porta do quarto, intransponível – que serve para afastar as críticas, as perguntas e os olhares que adivinham o que o adolescente mais quer esconder: o percurso íntimo e incerto que sente ter de fazer sozinho.

Por dentro, contudo, muitas vezes reina o caos em construção, do qual o quarto é o seu espelho, onde os livros se misturam com roupas, pratos esquecidos e canetas perdidas, numa desorganização desconcertante. Que não é mais do que o retrato de uma reorganização mental do que foi, do que ainda não sabe e do que gostaria de ser, entre expectativas alheias e os próprios receios e dúvidas.

Mas, de quando em quando, a porta abre-se. Surge uma conversa mais longa, um telefonema inesperado ou um pedido de boleia, mesmo quando tudo parecia indicar que o caminho teria de ser teimosamente solitário. Porque a autonomia não nasce da separação total, existe sempre um fio de segurança imprescindível, ainda que se tente escondê-lo. Que assoma de soslaio, nas entrelinhas, para que não pareça demasiado urgente ou importante.

A adolescência não é uma forma de arrogância, é uma crise silenciosa, uma fase em construção. À porta do quarto de um adolescente podia existir um daqueles sinais de estrada – um triângulo de aviso de obras ou de queda de pedras – a alertar-nos para transformações temporárias e potencialmente perigosas no decorrer do percurso.

As pedras que saltam não são pedras atiradas contra os pais, fazem parte das obras internas, que implica a desconstrução da infância. E é neste conflito – simbólico e estruturante – que os adolescentes crescem, definem limites e identidade, enquanto obrigam a família a ajustar-se também e a fazer os pequenos lutos do que foi e do que é agora.

Sem perder de vista que até as portas mais fechadas têm frestas por onde passa um fio de ligação e de amor que se mantém, cresce e transforma neste novo ciclo da vida de todos.