Educação Sombra

A personalização do ensino, quando fica dependente do orçamento familiar, transforma-se numa barreira à igualdade de oportunidades.

O recurso a explicações privadas em Portugal deixou de ser uma solução para alunos com dificuldades pontuais e transformou-se numa necessidade para quem ambiciona o acesso a cursos universitários de topo. Este fenómeno, conhecido como Shadow Education (Educação Sombra), tem-se intensificado nos últimos anos. No estudo de 2019 “A Equidade no Acesso ao Ensino Superior”, do Think Tank Edulog, ficava já clara a correlação entre o sucesso escolar elevado (notas acima de 17 valores) e a capacidade financeira das famílias, capaz de suportar o apoio privado adicional. Uma revisão da literatura recente, publicada por Moreira e Neto-Mendes (2025), confirma que esta tendência não só se manteve como se intensificou.

Para os professores, esta generalização do apoio individualizado fora da sala de aula torna-se um desafio. Naturalmente, estes procuram nivelar o ensino pelo conhecimento médio, apoiando os estudantes com mais dificuldades sem descurar o ritmo da matéria. Mas não é possível acompanhar individualmente cada aluno durante muito tempo sem comprometer o programa curricular. A personalização do ensino, quando fica dependente do orçamento familiar, transforma-se numa barreira à igualdade de oportunidades.

A tecnologia educativa pode ser uma forma de democratizar o acesso à aprendizagem personalizada. Há muito que ferramentas computacionais apoiam o estudo independente, e o caso paradigmático é o da Khan Academy. Criada por Sal Khan pela necessidade de dar explicações à distância à sua prima Nadia, a plataforma cresceu até se tornar um recurso global, hoje utilizado por mais de 100 milhões de estudantes por ano. O seu sucesso reside na autonomia que oferece: vídeos curtos, exercícios adaptados e a possibilidade de rever explicações ao ritmo de cada um. Há mesmo vários professores que usam esta plataforma para o acompanhamento do progresso dos seus alunos.

Contudo, a Khan Academy não consegue adaptar-se plenamente ao conhecimento prévio de cada estudante. Se o estudante só tiver dificuldade numa parte da matéria, tenta avançar rapidamente nas partes que pensa que já sabe, mas pode perder informação crucial que tornaria mais fácil a compreensão da parte em que tem dúvidas. Além disso, a avaliação automatizada baseada em escolhas múltiplas ou formatos normalizados tende a medir o resultado final e não o processo de raciocínio que o estudante utilizou para chegar lá.

Os modelos de linguagem de grande dimensão (LLMs) são uma tecnologia que pode ajudar a ultrapassar estas limitações. Estes sistemas, capazes de dialogar em língua natural, permitem criar agentes virtuais que interagem com o estudante, identificam dificuldades específicas, propõem exemplos alternativos e dão pistas em vez de respostas diretas. A própria Khan Academy disponibiliza um explicador artificial, o Khanmigo, desenvolvido com base num LLM.

Esta solução levanta preocupações justificáveis: poderá um explicador artificial fornecer informação incorreta? Conseguirá adotar métodos pedagógicos adequados? Será capaz de se manter focado na matéria? E, sobretudo, estarão os professores preparados para supervisionar esta tecnologia e avaliar o seu impacto na aprendizagem real? Estas questões fundamentais recordam-nos que o uso da inteligência artificial não deve dispensar a supervisão humana.

Foi precisamente para responder a estas preocupações que desafiei um estudante de Mestrado do Técnico, Diogo Branco, a dedicar a sua dissertação à criação de um enquadramento de teste fiável para o uso de LLMs no ensino. A sua tese, intitulada “Enhancing the Application of Language Learning Models (LLMs) in Education through Effective Testing Frameworks”, resultou de uma feliz coincidência: o Diogo estava a terminar o Mestrado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores ao mesmo tempo que dava aulas no ensino primário.

O trabalho do Diogo descreve o sistema de avaliação que desenvolveu e que simula um ambiente educativo envolvendo três agentes virtuais: um aluno, um explicador e um professor experiente. O processo começa com uma avaliação inicial conduzida pelo “professor” para aferir o conhecimento do “aluno”, usando como referência uma bateria de problemas validados. Em seguida, o “explicador” interage com o “aluno” virtual. Este pode adotar o perfil de um aluno sem conhecimentos, com conhecimentos intermédios ou com cerca de 80% da matéria dominada. Após esta sessão, o professor volta a avaliar o aluno e compara a evolução. Todas as interações são registadas e analisadas. O professor humano, o utilizador real, supervisiona o sistema, verifica as metodologias usadas, confirma avaliações e ajusta as configurações. O sistema pode ainda ser usado por alunos reais, substituindo o estudante virtual.

Os resultados, embora não sendo perfeitos, são promissores. O sistema tem, por exemplo, dificuldades em identificar erros de ortografia (uma limitação conhecida dos LLMs) e algumas métricas pedagógicas precisam de refinamento. No entanto, foi possível gerar um significativo conjunto de dados de interações que mostraram melhoria nos conhecimentos dos alunos virtuais e humanos. O uso do modelo como avaliador teve 92% de precisão geral e 81% de consistência na classificação das métricas pedagógicas qualitativas, e um ganho de aprendizagem de até 12,63% numa única sessão de 45 minutos com um custo inferior a 1 euro por sessão.

Este sistema foi concebido para colocar o professor no centro da supervisão do processo educativo, com a capacidade de ajustar o comportamento do agente “explicador”. Num país onde a educação continua a ser o principal elevador social, ignorar o potencial destas ferramentas é desperdiçar a oportunidade de tornar o ensino mais justo. A tecnologia, quando guiada pelo professor, pode ser uma aliada para podermos aproximar-nos de um ideal simples: que o acesso ao ensino superior dependa menos do rendimento familiar e mais do talento e da curiosidade de cada estudante.

Luis Caldas de Oliveira

Professor do Instituto Superior Técnico