Forte com os fracos, fraco com os fortes.
O primeiro ano de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos é revelador quanto à forma como o líder americano olha o Mundo.
Manda as suas forças armadas estarem a postos para um eventual ataque à Venezuela de Maduro, mas nem sequer fala grosso a Putin. Perante as bombas russas com que, impiedosamente, o senhor do Kremlin vai destruindo a Ucrânia, encolhe-se, incomodado. As sanções que aceitou aplicar parece terem sido arrancadas a ferro, os mísseis de longo alcance que poderiam ajudar o Exercito de Kiev nunca lá chegarão e as conversas e apertos de mão com Putin, directamente ou através de emissários, só servem para aumentar o sofrimento das populações do país de Zelensky.
Vive num jogo de fingimentos e aparências, sem se preocupar muito com as cores ensanguentadas de uma diplomacia em que a lógica do negócio se sobrepõe a qualquer outra.
A Europa esbraceja, claramente subalternizada e desconsiderada, quer por Trump, quer por Putin. Habituada a décadas de paz, viu-se, de repente, mal preparada e praticamente desarmada, mergulhada num conflito a lembrar guerras passadas. Dependente dos Estados Unidos para a sua defesa está agora obrigada a correr atrás do prejuízo, desfeita que foi a confiança, quase cega, na palavra do aliado do outro lado do Atlãntico. A pressão que o presidente americano exerce sobre Kiev para um acordo de paz constitui, ao mesmo tempo, um fardo pesadíssimo para esta Europa, sem estadistas que mereçam o nome e sem argumentos que possam equilibrar a balança a favor de Zelensky.
A capitulação da Ucrânia será a capitulação da Europa que conhecemos, frágil e sem liderança. O actual primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, não é Winston Churchill, nem sequer se assemelha vagamente a Margaret Thatcher, em determinação e coragem. Emmanuel Macron está longe de se parecer com De Gaulle ou com os que se lhe seguiram, em particular, Francois Mitterrand. A União Europeia está entregue a funcionários sem alma e armados em cerzideiras de vontades alheias, difíceis de conciliar.
É nesta Europa, que nem sequer consegue unanimidade para cortar por completo as importações de gás russo, que poderiam residir as últimas esperanças da Ucrânia para uma saída digna e que não premeie quem invadiu o seu território e se prepara para ficar com o que não lhe pertence.
Zelensky e o seu povo necessitam de quase 150 milhões de euros para se aguentarem, nos próximos dois anos. A UE, que tem os problemas internos que se conhecem e que está longe de lograr corrigir as assimetrias que existem entre os estados membros (os actuais e os futuros), pretende garantir dois terços desse valor. Para tanto propõe-se usar os bens russos congelados. Mas nem nesta questão há acordo. A Bélgica, onde se encontra guardada a maior fatia desses valores, mostra grandes reservas a avançar para tal solução com medo das represálias russas.
É este o verdadeiro estado das coisas, num continente com as principais economias em crise, sem identidade e sem referências de comando. Trump veio agudizar as fragilidades europeias, reduzindo os velhos aliados a espectadores empertigados dos seus processos de decisão.
Impressiona o declínio europeu, do mesmo modo que assusta ver como as superpotências se arrogam o direito de decidir a vida dos outros, reféns de fraquezas próprias.
P.S. – Duas notas, de sentido contrário:
1) Finalmente, um pacote de medidas para a habitação, em Portugal, que se reveste de alguma coragem. Independentemente dos seus méritos ou deméritos intrínsecos, a legislação e incentivos que o Governo agora propõe para um sector que tanta angústia acarreta são um sinal de mudança. A discussão ideológica que esse pacote suscita é previsível, mas já não assume a relevância de outros tempos, confirmando a noção que já existia quanto à viragem ocorrida nas opções políticas da sociedade portuguesa;
2) Não pode passar sem reparo o facto de, em matéria de ocupações de casas, a penalização para quem se apropria daquilo que não lhe pertence ser ridícula. É um convite de porta aberta…