O ‘casseteiro-mor’ da República

É com uma cassete política e um cacete verbal que Ventura encosta os oponentes às cordas e perturba os entrevistadores.

Nota prévia: Há países onde os debates são feitos de modo a que só esteja ligado o microfone de quem está a falar, evitando sobreposições tumultuosas. Cá não. É pena. Preferiu-se as audiências ao esclarecimento.

Está à vista de todos desde há muito e reforçou-se nestes debates presidenciais. O discurso de André Ventura é uma cassete que ele repete, freneticamente, face a qualquer oponente, com variantes políticas adaptadas à circunstância atual e passada de cada um deles. Associada à postura está uma cuidada preparação, sempre virada para o estilo confrontativo. Daí a sua retórica dura e próxima da ofensa pessoal, sendo por vezes imprecisa, mas eficaz. O método repete o figurino das direitas populistas e nacionalistas de países europeus, com a diferença que Ventura não se deixa embalar por Putin e defende a Ucrânia. A postura geral remete para o pai Le Pen mais do que para Marine, que se sofisticou. Tem pouco a ver com Meloni e menos ainda com Abascal, que apesar de usar uma violenta oralidade de essência nacionalista e patriótica, por contraponto a independentistas e socialistas espanhóis que não são moinhos de vento. O Vox é nacionalista radical e luta fundamentalmente contra o desmembramento da Espanha, como acontecia com a desaparecida extrema-direita portuguesa que defendia o império e a guerra do ultramar. Já Ventura não perde tempo com intelectualidades desse tipo. Aliás, os ideólogos intelectuais do Chega vão-se extinguindo. Ou estão na prateleira como Pacheco de Amorim ou batem com a porta como Mithá Ribeiro. A ordem no Chega é avançar de peito feito para os cornos do toiro, à Pedro Pinto. Ali não há rodriguinhos. Há força. O discurso é simplificado ao máximo. Resume-se ao combate ao que chamam (com razão em múltiplos aspetos) a bandalheira em que o país está atolado. Frente a câmaras (no parlamento os acordos sub-reptícios com esquerda são diários) não há punhos de renda e pontes para lado nenhum, a não ser para pobres desiludidos do comunismo com baixas reformas, ainda que valorizadas face ao que descontaram. É a forma de arranjar um eleitorado fixo, como fazia o PCP. A única figura de fora que se vai respeitando no Chega é Passos Coelho, cujo silêncio é tido como apoio. De resto, leva tudo pela medida grande. Até os moderadores dos debates são destratados por pertencerem à classe jornalística, vista no Chega como um bando de esquerdistas. Já os adversários, moderados ou não, são tidos como agentes ativos de um sistema que leva Portugal ao desastre absoluto, por via de uma teia de corrupção com a qual todos os outros estão comprometidos. Ventura usa simultaneamente a cassete e o cacete nos debates e na política quotidiana. Abusa de gestos e de interrupções estudadas. Os seus argumentos são confrontativos e expostos em frases bombásticas. Prega sobretudo aos convertidos. São uma faixa potencial de um milhão e meio de eleitores, oitocentos mil dos quais o seguem nas redes sociais, sem informação mediada e sem contraditório. Na relação direta com as massas é manifesta uma inspiração no discurso evangélico, embora seja católico apostólico romano. Ventura sabe bem que não ganhará a corrida. Mas esforça-se. Usa como arma letal a rapidez de resposta e contra-ataque, assente numa estratégia linear. Viu-se nos debates em que participou até agora. Só não levou a melhor sobre Marques Mendes, mas colou-o a um sistema que desiludiu muitos portugueses. Seguro aguentou o embate, mas manifestamente não o ganhou. Catarina Martins foi esmagada por impreparação e pela impossibilidade de defender as ideias e práticas contraditórias do Bloco, sempre ao serviço de causas radicais antidemocráticas. Nesse debate, Ventura só vacilou quando não foi capaz de condenar de forma inequívoca os soldados da GNR e o polícia que controlavam imigrantes escravizados. Os próximos confrontos de Ventura serão com António Filipe, Gouveia e Melo e Cotrim de Figueiredo. É um calendário excelente para o tipo de debate que ele pratica e o efeito nas redes. A coisa não vai ser fácil para os oponentes, a menos que algum decida falar grosso, responder à letra sem insultar, apanhando contradições políticas, interrompendo, não hesitando em expor fragilidades do Chega e de Ventura. É, porém, improvável que alguém avance nesses termos no verdadeiro Cabo da Tormentas que é esse o debate. Isto porque responder no mesmo tom é contraproducente para quem quer mesmo ser Presidente da República e assumir a postura de Estado que isso implica. Ventura não está nessa. Por enquanto, é só um potencial candidato a um futuro lugar num governo. Na melhor das hipóteses como vice-primeiro ministro de alguém…