O psicólogo Mauro Paulino, responsável pela aplicação de um inquérito a 181 candidatos a juízes e procuradores no Centro de Estudos Judiciários, que pergunta alegadamente sobre se «gostaria de estar morto» ou «tenho diarreia com frequência» —, afirmou ao Nascer do SOL que «a apreciação de testes psicológicos ou itens que os compõem não depende de achismos ou perceções pessoais, sobretudo por quem não tem formação na área».
A ministra da Justiça disse na terça-feira que o inquérito não era adequado. Em resposta, Mauro Paulino, membro do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Psicólogos, acrescentou que a posição de Rita Alarcão Júdice «não invalida, do ponto de vista técnico e científico, a relevância» do inquérito, designado Personality Assessment Inventory.
Linguagem técnica e científica
Em declarações ao Nascer do SOL, Mauro Paulino sublinhou a importância de distinguir a linguagem técnica da psicologia de outros domínios. «A linguagem utilizada em instrumentos psicológicos tem enquadramento técnico e científico próprios, distinto do discurso jurídico ou administrativo», afirmou, acrescentando que a avaliação destes instrumentos «depende de critérios técnicos, metodologias validadas e competências profissionais específicas».
Criticou ainda a forma como o inventário foi questionado. «Alguém, mesmo numa posição de poder e responsabilidade acrescida como é o caso da Senhora Ministra da Justiça, que afirme “não parece adequado/as” sem base para tal não invalida, do ponto de vista técnico e científico, a relevância do inventário que foi utilizado em contexto de seleção», defendeu.
Recordou que o Personality Assessment Inventory tem «extensa literatura científica (com mais de 14 mil publicações) disponível sobre as qualidades do Inventário que foi utilizado, o qual não foi criado pela empresa que foi nomeada pela Senhora Ministra da Justiça, como erradamente já circulou».
Análise integrada, não isolada
Mauro Paulino explicou também que os itens polémicos não podem ser analisados de forma isolada. «Uma interpretação válida de um teste ou outro tipo de instrumento de avaliação psicológica não pode ser baseada na consideração isolada de um único item», esclareceu, acrescentando que «cada item ou pergunta faz parte de um conjunto maior (uma escala, subescala ou fator) que só funciona corretamente quando os itens são considerados em conjunto».
Segundo o psicólogo, alguns itens aparentemente estranhos têm uma função específica: «Itens que, de forma isolada, podem aparentemente parecer absurdos pertencem a escalas de validade das respostas e são necessários, por exemplo, para se perceber a pessoa está a responder ao acaso».
Denunciou ainda que a versão divulgada pela comunicação social não correspondia à versão final. «A versão que foi divulgada pelo Página Um, que negou inclusive o Direito de Resposta aos visados, e depois replicada na TVI, e que levou a Ministra a pronunciar-se, não corresponde à versão final administrada aos candidatos», revelou.
Alertou também para a questão da confidencialidade profissional: «Não é suposto os itens de um teste de avaliação psicológica serem divulgados em praça pública. Como preconiza o Código Deontológico da OPP, o acesso a tais conteúdos (independentemente da fase de desenvolvimento e investigação) é exclusivo dos profissionais da Psicologia».
Oito instrumentos, não apenas um
O psicólogo esclareceu que o foco mediático num único teste não reflete a realidade do processo de avaliação. «Tem-se centrado a questão num único instrumento, quando, na verdade, a decisão de favorável ou não favorável foi sempre realizada num registo colegial e integrativo dos dados de oito (8) instrumentos de avaliação validados para a população portuguesa», explicou.
Em alguns casos, a avaliação foi ainda mais aprofundada: «E, em dezenas de candidatos, também com suporte numa entrevista psicológica, levando em linha de conta critérios de ordem técnica e resultantes dos dados recolhidos nas provas de avaliação».
O objetivo era garantir rigor. «O objetivo do exame psicológico foi assegurar um processo rigoroso que abrangesse diversos domínios de avaliação (e.g., competências, crenças, flexibilidade cognitiva, personalidade) e não apenas uma preocupação em ocupar o número de vagas existente, dados os riscos para a integridade do sistema de justiça e a confiança pública nas instituições».
Garantiu ainda que todos os instrumentos utilizados são reconhecidos cientificamente: «Estes instrumentos não foram criados pela empresa executora, nem constituem qualquer adaptação construída para o concurso em questão; foram aplicados tal como preconizado nos respetivos manuais técnicos e de acordo com as boas práticas reconhecidas pela comunidade científica».
Desmentidos sobre reprovações e atrasos
Mauro Paulino desmontou ainda duas das principais críticas que têm sido feitas ao processo. «Não corresponde à verdade que a maioria dos candidatos tenha sido reprovada ou que as avaliações psicológicas tenham provocado o atraso no início do curso», afirmou categoricamente.
Remeteu para a nota informativa do CEJ, onde se pode ler que «o desfasamento temporal verificado resultou exclusivamente do calendário legislativo: a abertura dos concursos ficou dependente da aprovação e subsequente entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2025, circunstância documentada e plenamente conhecida das entidades envolvidas».
Quanto ao trabalho da equipa de psicólogos, foi claro: «Todo o trabalho técnico realizado pela equipa foi concluído integralmente dentro dos prazos estabelecidos e definidos pelo CEJ, não tendo em momento algum representado qualquer obstáculo ao normal desenvolvimento do procedimento».
Segunda avaliação prevista na lei
Sobre a necessidade de realizar uma segunda avaliação psicológica, o responsável esclareceu que não se tratou de corrigir erros. «A realização de uma segunda avaliação psicológica aos/às candidatos/as para a magistratura não resultou de qualquer irregularidade, insuficiência ou erro, como se tenta insinuar, mas sim de uma exigência expressa na Lei», afirmou, citando a Lei n.º 7-A/2025, de 30 de janeiro, artigo 21.º.
Mauro Paulino garantiu ainda que a equipa de 12 psicólogos membros efetivos da Ordem dos Psicólogos, «com trabalho comprovado nas áreas clínica, forense e organizacional, asseveram que a sua atuação decorreu com base em critérios científicos, éticos e legais, respeitando integralmente os princípios e normas da profissão e os direitos dos/as candidatos/as».
O processo, segundo o psicólogo, não procurou uma «excelência abstrata», mas sim «a aplicação objetiva de critérios sustentados em psicometria e conhecimentos de avaliação psicológica que, no caso concreto, resguardem o interesse público e a qualidade do serviço prestado à sociedade, com vista a dignificar o CEJ, a Psicologia e, mais importante, a Justiça portuguesa».
Resposta à ministra: “Não houve erro”
Por fim, Mauro Paulino respondeu diretamente às declarações da ministra da Justiça no arranque do novo curso no CEJ, onde admitiu possíveis erros. «Quando, no CEJ para assinalar o arranque do novo curso, a Senhora Ministra expressa admitir erros nas perguntas dos testes psicológicos feitos aos candidatos, cumpre esclarecer, desde já, que não houve nenhum erro, pois os critérios foram estabelecidos e comunicados previamente, como bem sabe a Senhora Ministra, estando alicerçados em evidência científica».
O psicólogo distinguiu ainda entre erro técnico e resultado indesejável: «Erro refere-se a uma prática inapropriada e não a um resultado indesejável, o que está a ser confundido, seja por motivações políticas, seja por questões afetivas».
Mauro Paulino concluiu apelando ao rigor no debate público: «Importa promover com rigor e seriedade o esclarecimento e o debate – bem necessários num tema tão relevante».
[Artigo atualizado com mais declarações de Mauro Paulino às 13h00]