A Esquerda que não aprende

É preciso quebrar com os bloqueios, os interesses instalados e os fatores de distorção da vivência democrática. É urgente ser parte da solução, além da trincheira, do ego ou do protesto inconsequente.

Somos seres formatados. Uns, que superaram a formatação inicial, procuram caminhos e pensam pela sua cabeça. Outros, que se limitam a moldar às circunstâncias, seguem os ditames ideológicos, as tradições e os egos. Demasiados, seguem indiferentes às realidades e aos desafios comunitários, tomados pela necessidade imperiosa de sobreviver, pagar as contas e colocar a comida na mesa.

Portugal está nivelado por baixo. Nas exigências, nas soluções e na ambição. Empurram-nos para patamares de sobrevivência, de mínimos democráticos, de irregulares funcionamentos dos serviços e de redução da qualidade de vida. É preciso resgatar a esperança e a confiança no funcionamento das instituições democráticas, na capacidade de convergirmos para construir soluções para os problemas e desafios e na preservação do nosso chão comum de seres que vivem em comunidade, com direitos e deveres. É preciso quebrar com os bloqueios, os interesses instalados e os fatores de distorção da vivência democrática. É urgente ser parte da solução, além da trincheira, do ego ou do protesto inconsequente.

As eleições presidenciais de 18 de janeiro são uma oportunidade decisiva para equilibrar o sistema e colocar em Belém alguém moderado, sem telhados de vidro, com sensibilidade social e sentido de urgência na construção de respostas que respondam ao presente e antecipem as necessidades de futuro. Não é conversa. Podemos ter em Portugal uma hegemonia da direita e da extrema-direita, da base ao topo, com as tentações visíveis no pacote laboral e o desejo contido de implosão da Constituição.

O contexto é de emergência, mas a esquerda prefere os jogos florais da circunstância, indiferente à responsabilidade que tem no estado a que chegámos. Não faz autocrítica do caminho feito, não ajusta a proposta política e não apresenta soluções novas para as pessoas. Está enleada no preconceito ideológico, no acervo da herança, na circunstância e no de sempre, orientando para nichos eleitorais.

Podemos ter em Belém alguém que é um exemplo maior da promiscuidade consentida pelo sistema entre a política, os negócios e o comentário nas televisões, o conselheiro de Estado nomeado há mais tempo em funções, intenso proclamador de informações de dentro do sistema. Conseguirá alguma vez ser independente, confiável e contido?

Podemos ter na Presidência uma enorme incógnita política, sem experiência no desempenho de funções políticas, nacionais, europeias e internacionais, formatado pela oportunidade pandémica e para a circunstância do nosso tempo.

Podemos ter por Belém, em tese, quem é candidato a tudo o que mexe, protagonistas digitais de populismos inconsequentes, montados em perceções e realidades alternativas, ou liberalismos que, à primeira dificuldade, são dos primeiros a resgatar o Estado para apoiar os privados, como aconteceu na pandemia.

Podemos ter isto tudo, até bandalheiras à moda de Tiririca no Brasil, que alguma esquerda finge não perceber o que está em causa, entregue que está ao ditame ideológico, à circunstância, à cultura da quintinha entrincheirada e ao acerto de contas com o passado.

A verdade fatual e política é só uma: António José Seguro é a única possibilidade de termos um candidato presidencial desta área na segunda volta e de poder ter em Belém alguém com perfil diferente do governo da República, da maioria parlamentar, dos governos regionais e das autarquias. Ter um democrata, humanista e progressista, comprometido com a atual Constituição e com a urgência em resgatar o funcionamento democrático, a construção de respostas concretas para as pessoas e o equilibrar do sistema político parece ser coisa pouca. É, uma vez mais, alguns dos ditos, a fazerem o jeitinho à direita. É não aprender nada com o que precisa de ajuste e falta fazer da Constituição de Abril. É mais do mês, o país precisa de um Presidente diferente.