A um mês do Natal, a Black Friday costuma provocar enchentes nas zonas de comércio e, a partir desta data, é quase proibitivo aproximarmo-nos das grandes superfícies. Enquanto alguns se entusiasmam com estas ocasiões, outros vivem-nas com algum desconforto. Porque o Natal, uma festa originalmente ligada ao recolhimento, ao nascimento e ao simbólico, transformou-se num paradoxo entre o que queremos e o que precisamos, o gesto e o objeto, o simbólico e o consumo, o idealizado e o concreto imediato.
A crítica ao excesso, ao desejo desordenado e à ostentação aparece em várias culturas desde os primórdios da filosofia e da literatura. E, se ao longo do tempo essa inquietação foi vivida com maior ou menor intensidade, hoje manifesta-se de forma particularmente marcada nos jovens.
As redes sociais são promotoras diárias, muitas vezes excessivas, de estilos de vida luxuosos, idealizados e quase sempre inacessíveis, através da ostentação de roupas caríssimas, carros de alta cilindrada e corpos perfeitos. O desejo e o sonho passam a ser depositados no que se pode comprar, mais do que naquilo que se constrói internamente. A apreciação e a crítica recaem cada vez mais sobre o que se aparenta, e menos sobre o que se é.
É verdade que, ao longo das gerações, os jovens sempre gostaram de se mostrar. Mas hoje essa necessidade ganhou uma escala nova. O consumo tornou-se mais fácil e rápido, por vezes quase impulsivo. Proliferam os sites de roupa contrafeita que prometem marcas de luxo ao preço da feira, acompanhando desejos cada vez mais exigentes, como se a aparência tivesse passado a definir, por si só, o valor de alguém.
A preocupação com a opinião e aprovação dos outros nunca foi tão constante e invasiva. A exposição, que acontecia primordialmente nos corredores da escola e encontros, tornou-se permanente. A autoestima e autoimagem ficam, muitas vezes, dependentes das oscilações dos likes, dos seguidores e das aprovações que se conquistam (ou não) ao final do dia. Mas, o olhar do outro, que seduz, também é um olhar que pesa, quando leva o jovem a procurar nele o seu próprio valor, podendo conduzir a uma fragilização da própria identidade.
A construção da identidade passa assim a depender de fatores externos ao próprio eu, afastando o jovem das suas características pessoais, emocionais e das experiências que o constituem. Crescem num mundo de aparências e de consumismo onde o dinheiro parece surgir como um objetivo de vida e o caminho para alcançar a imagem desejada, como se importasse mais o que os outros pensam do que aquilo que cada um realmente é.
Na verdade, embora nenhum objeto possa colmatar a falta que nos faz humanos, parece que insistimos em procurá-lo. Mas é justamente nesse intervalo, entre o que falta, o que recebemos e oferecemos, que se desenha a relação. Sem etiquetas ou maquilhagem, imperfeita e genuína. Repleta de experiências, vivências, pensamentos e emoções, que não se publicam nem precisam de aprovação. Porque o valor não está no que mostramos, mas no espaço que abrimos para que o outro exista connosco e em nós – imperfeito, real e singular.