A segunda eleição e o desempenho de Donald Trump no atual mandato é uma marca distintiva do tempo atual. O que frequentemente não se observa é que, bastante mais depressa do que o eleitorado europeu, o eleitorado americano foi sensível a uma mudança profunda e consistente dos tempos políticos.
Pode-se estranhar que seja indiferente aos seus admiradores a longuíssima lista de defeitos de Trump. Pode surpreender que, para uma base de apoio maioritária, pouco importa que seja politicamente vil, amoral, imprevisível, volúvel, inconsequente, que não se reja por princípios, não procure consensos, respeite unicamente a força e despreze instituições e aliados.
Tudo isto é irrelevante porque o Presidente americano é uma marca do tempo. Trump é a celebração da geopolítica. O eleitorado compreende que não está no seu poder, nem de qualquer outro eleitorado, mudar a realidade. E a realidade hoje é geopolítica. Após várias décadas de entorpecimento, contida pelo combate ideológico, a cortina de ferro e a pax americana, a geopolítica regressa em força, com a sua típica ausência de regras, princípios e instituições.
A causa principal dessa regressão está nos resultados inesperados da experiência levada a cabo pela Organização Mundial do Comércio a partir do final do séc. XX. A experiência não fracassou, pelo contrário, e trouxe grandes benefícios a quem a soube aproveitar. Mas refutou inteiramente a ideia de Montesquieu e Kant em que se baseava, nomeadamente, de que o comércio internacional cria laços de dependência que inclinam os estados à paz.
Nada mais longe da verdade. Como respondeu o grande general italiano Montecuccoli à pergunta do Imperador sobre o que é necessário para fazer a guerra, respondeu que são precisas três coisas: primeiro, dinheiro; segundo, dinheiro; e terceiro, dinheiro. A referida experiência trouxe essas três coisas, criando as condições que desestabilizaram os eixos de poder mundiais.
O tempo não é favorável ao património político europeu, dificilmente recuperável depois da sua delapidação durante o período de nevoeiro geopolítico representado por Merkel. A melhoria das condições laborais, o estado social, a proteção do ambiente e a igualdade foram as quatro gerações de grandes causas, a maior parte consensuais, da política interna europeia. No tempo da geopolítica, arriscam-se à irrelevância.
Muitos sinais anunciam os novos tempos, por exemplo, a ritualização e perda de sentido da atividade dos sindicatos, a inviabilidade do estado social anunciada por Merz, a pouca relevância da última cimeira do clima em Manaus, a alteração das prioridades da Comissão Europeia, ou a evidente recusa pelos eleitorados do grotesco espetáculo do extremismo identitário pseudo-igualitário woke, descolonial e afins.
Se ainda formos a tempo, a atenção à sustentabilidade geopolítica passará a ser o critério principal das políticas nacionais e europeias. Como alguns governos, também à esquerda, como no Reino Unido e na Dinamarca, já compreenderam, o património político europeu estará condenado se a sua gestão não atender ao critério principal da sustentabilidade geopolítica. Antes tarde do que nunca.