Habitação e clima, um olhar que começa em Portimão e atravessa o país

Não temos uma crise da habitação de um lado e uma climática do outro. Enfrentamos uma só crise com duas frentes. Tratá-las como mundos separados é perpetuar o erro que nos trouxe aqui.

Esta pergunta persegue-me. Será que ainda é possível ter um lar digno e, ao mesmo tempo, proteger-nos de um clima que se tornou imprevisível? Sinto-o sempre que falo com jovens casais de Portimão que procuram casa há meses sem sucesso. E vejo o mesmo noutros lugares do país, como em Carcavelos, onde famílias me relatam o dilema de pagar a renda ou a conta da luz. Quando realidades tão diferentes contam a mesma história, percebemos que o problema deixou de ser local para se tornar estrutural.

Os números apenas confirmam o que a rua já sabe. A Comissão Europeia aponta para perto de sete por cento de portugueses em sobrecarga habitacional e os preços médios por metro quadrado ultrapassam os dois mil euros. Em Portimão, um T2 que há dez anos custava menos de duzentos mil euros, hoje toca nos quatrocentos mil. Há casos que chegam ao meio milhão, embora em condomínios específicos, mas nas zonas de luxo a conversa já se faz em milhões. Importa dizê-lo com rigor, porque a confiança em quem escreve constrói-se na precisão.

O debate, porém, continua preso a uma espiral simplista. Uns culpam a ganância do mercado e pedem ruturas. Há outros acreditam que a desregulação resolve tudo. Como social-democrata, recuso este maniqueísmo. Não precisamos de trincheiras ideológicas, mas de mercados com regras previsíveis e de políticas públicas que amparem quem fica para trás. Precisamos de autarquias que façam mais do que comentar a crise: autarquias que liderem.

O investimento público anunciado é, sem dúvida, o maior em décadas: quase sessenta mil novas habitações até 2030, mobilizando milhares de milhões de euros. Ainda assim, quem anda no terreno sente que a crise consome estas respostas mais depressa do que o Estado as consegue produzir. Basta tentar arrendar casa em qualquer cidade média para perceber que não vivemos num mercado único, mas em várias realidades desfasadas dentro do mesmo país.

A reclassificação de solos rústicos para construção e a alienação de edifícios públicos revelam vontade política, mas exigem transparência total. O país não aguenta mais oportunidades mal geridas. Paralelamente, é impossível ignorar as mais de setecentas mil casas vazias de norte a sul. Apostar na expansão urbana só fará sentido se acompanhada de uma estratégia agressiva de reabilitação. Caso contrário, repetiremos o erro de criar “cidades dormitório” sem vida e sem eficiência.

No arrendamento, a pressão é asfixiante. Nas principais áreas urbanas, as rendas tocam valores que há poucos anos seriam ficção. Em Lisboa, o metro quadrado supera já os vinte euros e no Porto, o caminho é idêntico. Quem procura teto percebe que a crise não é um conceito académico. É a dureza do dia a dia.

O país real prova-nos que a compra segue o mesmo padrão. Se em Lisboa o preço de mercado supera frequentemente os cinco mil euros por metro quadrado, em muitas zonas do interior continua abaixo dos mil e quinhentos. São duas geografias económicas que coabitam sem se tocar, e a resposta política não pode ser cega a esta assimetria.

Ao mesmo tempo, o clima transformou-se num ator silencioso, mas decisivo. Guimarães tornou-se um exemplo ao integrar mitigação e adaptação no planeamento municipal, provando que a gestão ambiental não é retórica, é sobrevivência urbana. Basta viver um verão num prédio sem isolamento térmico para sentir como o clima entrou, definitivamente, pela porta de casa.

Portugal enfrenta uma das piores pobrezas energéticas da Europa, com três quartos dos edifícios ineficientes. Renová-los não é luxo, é reduzir a fatura das famílias em dezenas de por cento. Não falo de estatísticas: falo das casas que visitei, onde crianças dormem de casaco no inverno e os pais escolhem entre o aquecedor e a farmácia. Se vamos investir milhares de milhões em habitação nova, a eficiência energética não é opcional. É uma questão de dignidade, de economia e de saúde pública.

Não temos uma crise da habitação de um lado e uma climática do outro. Enfrentamos uma só crise com duas frentes. Tratá-las como mundos separados é perpetuar o erro que nos trouxe aqui.

Olhando para a frente, vejo três caminhos pragmáticos: incentivar a iniciativa privada com regras estáveis e licenciamentos ágeis; reabilitar o património devoluto para não impermeabilizar mais solo inutilmente; e vincular cada euro de investimento público a critérios ambientais que protejam as famílias. Isto não é romantismo ecológico. É governar com responsabilidade.

Não podemos continuar a navegar à vista, ao ritmo da polémica de cada semana ou cada capa de jornal. Resolver a habitação e preparar o país para as alterações climáticas exige um rumo estratégico e a coragem de olhar para lá do ciclo eleitoral. A habitação é o primeiro degrau da cidadania. E cuidar da nossa casa comum é a única forma de garantir que essa dignidade chega, realmente, a todos.