Almina: novo restaurante em Cascais derruba os mitos da partilha

O Almina derruba um dos maiores mitos urbanos da gastronomia: pratos de partilha não podem ser elegantes. Aqui, são. Sem exageros, sem pretensões e sem custarem fortunas. A experiência ganha precisamente quando se escolhem vários pratos – não por gula, mas porque é esse o conceito aqui desenhado

Há lugares que se apresentam como restaurantes e depois há o Almina, em Cascais, que se apresenta como uma ideia: a de que a partilha pode ser elegante, o sabor pode ser honesto e o outono pode chegar ao prato antes de bater à porta. É assim um novo conceito farm-to-table. Visitei-o no final de agosto – aquele limbo entre estação e estação – mas consegui provar algumas das criações da carta de outono por cortesia do Chef. Sorte? Talvez. Mas há sítios onde a sorte parece fazer parte do serviço.

O espaço tem um charme inesperado: madeira por todo o lado, quente e texturada, que o torna acolhedor sem esforço. É uma daquelas salas que nos recebem antes de qualquer prato chegar. A cozinha aberta, perpendicular ao bar, deixa ver o ritmo da equipa – o fogo, o movimento, a intenção. E depois há os espelhos no teto, um detalhe que amplia o espaço com leveza e abre o horizonte de um restaurante que, apesar de contemporâneo, tem algo de castiço no melhor sentido. Tudo parece pensado para que nos sintamos bem, sem grandes declarações.

«O Almina nasceu do desejo de celebrar a conexão. O nome, que significa ‘porto’ em árabe, traduz perfeitamente essa ideia. Historicamente, os portos sempre foram locais de troca onde culturas se encontram, e onde ingredientes, especiarias e ideias viajam através dos oceanos. Queríamos que o Almina refletisse esse mesmo espírito: um lugar onde cada prato conta uma história e onde as pessoas se juntam para partilhar não apenas comida, mas momentos. Tudo aqui foi criado com cuidado e intenção», explica Jesús Gomez, Head of Hospitality Concept Development do grupo Olala!, que traz este conceito a Portugal.

É esse cuidado que chega à mesa.

A partilha à mesa, do mar ao fogo

As ostras com beterraba abriram a viagem com um contraste improvável: mar intenso, doçura terrosa – e a sensação de que alguém na cozinha gosta de desafiar certezas (ainda bem). O Tangier picante veio logo atrás, com aquele ardor que acorda todos os sentidos e faz levantar uma sobrancelha. Ou duas. Mas não veio sozinho, fez-se acompanhar dos pickles caseiros, das cenouras temperadas, e do Labneh, um queijo fresco de iogurte, típico do Médio Oriente. É cremoso, ligeiramente ácido, semelhante a um iogurte grego mais espesso, mergulhado num molho tradicional do Iémen, S’hug. E tudo o que nos chega de início deve ser partilhado, mas junto. Ou seja, numa fatia de pão generosa leva-se uma colher de tudo um pouco. E esse tudo, no meu caso, contou com «a combinação dos sabores artisticamente servidos à mesa», como nos diz a ementa.

Depois, segue-se uma das maiores surpresas da noite: a salada Kohlrabi, muito popular na Alemanha, feita com couve-rábano, maçã e parmesão. Cítrica, crocante, fresca, com o salgado do parmesão a cortar tudo no momento certo. A salada que, se tivesse personalidade, exigia passaporte próprio.

E não surge isolado entre os destaques. “Só Cenouras, a sério!” pode não ser o nome mais sedutor à primeira vista, mas é precisamente o tipo de prato que desarma até os resistentes aos vegetais: uma composição de cenoura tratada com rigor culinário, conduzida lentamente por um fumado subtil que obriga a repensar preconceitos. E, atenção, há mais a destacar entre as simplicidades da terra que surpreendem à mesa: uma couve-flor assada inteira, apenas temperada com azeite e sal. 

Já o peixe cru, em jeito de aguachile descomplicado, mostrou que simplicidade quando bem executada é quase um luxo. E o tártaro de carne seguiu o mesmo caminho: preciso, saboroso, sem peso desnecessário – como se o prato soubesse exatamente quando parar.

A sobremesa da nova carta, tarte de tahini e butterscotch com mascarpone é, sem dúvida, interessante ao paladar. O tahini (pasta de sementes de sésamo) e o butterscotch (um tipo de caramelo feito com manteiga e açúcar mascavado) encerra a experiência com intensidade. Diferente, quase provocadora, daquelas que não se entendem na primeira colher, mas conquistam na terceira.

Cocktails que merecem conversa própria

Os cocktails no Almina não acompanham a refeição – competem com ela. Dois brilharam: o Romantic – mezcal, tequila, alecrim, lima, romã. Fumado, profundo, quase cinematográfico. E, ainda, o Mirage – pepino, coentros, lima. Fresco e herbáceo, a versão líquida de tudo o que se quer num dia quente… e que só os esquisitos dizem que não no inverno.

E depois… há a arte de servir

É impossível falar do Almina sem mencionar o Pedro, que depois de anos em Londres domina a arte de acompanhar clientes à mesa como uma coreografia atenta. Atenção no ponto certo, leveza no gesto, aquele serviço que sabe que está lá – mas nunca pesa. E depois há o Steve, vindo diretamente da Costa Rica, com apenas 30 dias em Portugal e a confiança de quem parece ter nascido ali ao lado da cozinha. Estilos diferentes, mesma intenção: provar que a arte de servir não é para todos – e que aqui está em boas mãos.

O Almina é um restaurante que sabe contar histórias – não em discursos, mas em detalhes. Nos ingredientes frescos, no fogo que tempera a cozinha, no cuidado do serviço e no ambiente que só existe quando alguém pensou verdadeiramente no outro lado da mesa.