O salário médio na função pública é de 2.255€, enquanto no sector privado é de 1.615€. No sector social/cuidados continuados, nem valores exatos existem “ronda os €1.100 a €1.400 brutos/mês para funções como assistente e educador social”, diz-nos a Inteligência Artificial … Se estes valores são para licenciados, imagine-se os restantes… nem metade da média de quem trabalha para o Estado. Por isso, faria sentido que quem ganha menos fosse quem mais recorresse à greve. Certo? Pois… mas não é isso que acontece. Quem faz greve é, precisamente, quem mais ganha e quem mais regalias tem: mais dias de férias, o melhor seguro de saúde de todos – ADSE, baixas médicas pagas a 100%, entre outras. Se bem que há que reconhecer que são os mais produtivos e que mais horas trabalham… certo? Errado novamente. Bolas, então porquê?
Porque têm algo que os restantes trabalhadores, regra geral, não têm: o poder de lixar a vida à esmagadora maioria: transportes, saúde, ensino, etc.
Há dias perguntaram-me, “então vamos fazer greve?”. Respondi que nunca fiz greve na vida, sou contra as greves e nunca farei, porque implicam prejudicar terceiros, e recuso-me a fazê-lo. Felizmente, na instituição que lidero há 26 anos, nunca houve greves, e espero que nunca venha a haver. Mas isso, naturalmente, depende dos trabalhadores, não de mim.
Esta semana noto menos trânsito. Talvez porque com um feriado a uma 2ª feira, uma greve geral da função pública a uma 5ª e uma greve da função pública a uma 6ª (+ 2 dias úteis de férias) dá algo como 9 dias seguidos sem trabalhar… que fixe! Enquanto uns descansam e se divertem outros esforçam-se mais e gastam mais para conseguir trabalhar. No nosso caso, os custos aumentam: pagamos Táxis, TVDE e até colocamos viaturas próprias ao serviço para ir buscar trabalhadores a casa, garantindo que estes continuam a cumprir a sua missão.
Como poderíamos NÓS fazer greve? Quem muda fraldas a crianças, idosos e pessoas com deficiência? Quem dá banho? Quem administra medicação? Quem dá de comer à boca? Quem veste e despe?
O sentimento de injustiça e de discriminação no nosso sector é enorme. Ainda assim, mantemos a consciência tranquila e o sentido do dever. Mas não deixamos de nos sentir desprezados por uma classe política e uma administração pública que, apesar de ter pessoas de grande valor (embora uma minoria), trata o setor social como subordinado.
O Estado/Governo/Administração Pública pode falhar em larga escala, incluindo com a saúde, segurança e a própria vida dos cidadãos. Nós não podemos falhar, nunca! E em nada!
Eles podem aumentar salários de forma generosa mesmo quando falta dinheiro para obras em edifícios a cair onde chove lá dentro, para material militar de todo o tipo (nomeadamente de vigilância das águas territoriais), para viaturas policiais, papel para fotocópias, papel higiénico, medicamentos nos hospitais ou para ter pessoal suficiente em departamentos como o IMT ou a ANEPC (podem demorar anos a resolver um simples processo, já nós não podemos falhar em absolutamente nada).
Exigem-nos investimentos cujo nosso esforço é de 70 a 80% para criar mais respostas sociais/saúde/educação para a sociedade, mas não são capazes de investir, sobretudo em projectos que criem riqueza, precisamente porque canalizam tudo para aumentar os salários dos funcionários públicos.
E quanto a greves? É um direito, sem dúvida — para os funcionários públicos. Para os outros, resta trabalhar, pagar impostos (que ajudam a financiar salários e regalias alheias), receber maus serviços (na saúde, justiça, transportes, ensino) e ficar calados, porque pertencem à “casta inferior”.
Os políticos, e em particular os Governos, com vários discursos demagógicos, enchem a boca com mais e melhores salários, para fixar os jovens. Mas o que é facto, é que tendo o poder de decisão, podiam pagar o preço justo ao sector social/cuidados continuados para que, por sua vez, pudéssemos remunerar melhor os trabalhadores e em particular os jovens licenciados. Mas o que faz o Governo? Congela preços nos cuidados continuados durante 8 anos e no ensino durante 9 anos. O desemprego jovem está nos 18,1% e estes continuam a emigrar.
Trocamos os nossos jovens qualificados — e com eles a natalidade e o futuro do País — por imigração sem qualificações e sem ligação cultural, contribuindo para a erosão dos valores europeus. E a culpa, claro, é sempre de terceiros: Trump, a extrema-direita… dá sempre jeito um culpado qualquer.
Portugal tem a legislação de trabalho mais rígida da europa, de forma a proteger os avós preguiçosos “de Abril” que não querem ser produtivos, prejudicando assim os seus netos que querem trabalhar, produzir e inovar.
No dia da greve geral da função pública e dos partidos da esquerda, aumentam os internamentos sociais e as horas de espera nas urgências hospitalares. Isto porque o governo anterior e o actual não sabem gerir. Não sabem fazer contas e perceber que, gastando menos, mas gerindo melhor, resolvem os problemas dos cidadãos. Isto é, com mais lugares em ERPI e Cuidados Continuados e pagando de forma justa – poupam 288 milhões de euros nos hospitais, como a APAH já demonstrou repetidamente.
Reunimos na semana passada com o Secretário de Estado da Gestão da Saúde e propusemos uma fórmula de atualização automática dos preços para o nosso sector, que não é mais do que a promessa do primeiro-ministro. Implica um aumento para 2026 que não chega a 17.000.000€ (o orçamento total da Saúde é de 17.300.000.000€), ou seja, menos de 0,1%, para cobrir aumentos com salários e inflação e com isso estabilizar a rede de cuidados continuados.
Mas não: o partido que, na oposição, defendia aumentos (PSD), agora no governo chumba as propostas de aumento apresentadas por outros (CHEGA), como aconteceu nas duas últimas votações do Orçamento do Estado.
Resultado? Continuaremos a ver urgências em rutura, pessoas dias inteiros em macas de corredor, camas de internamento por libertar, e mais 110 camas encerradas em cuidados continuados — que saibamos, porque poderão ser mais — por falta de financiamento.
Até quando esta discriminação? Até quando teremos cidadãos de primeira e cidadãos de terceira?
Para quando a verdadeira igualdade?
Presidente ANCC