Adeus inocência

será que uma criança ou um(a) jovem, actualmente, pode aspirar, com confiança, a uma vida melhor do que a dos seus progenitores?

O s olhos de um bebé de cinco meses são indecifráveis. Vemos neles o que queremos. Ou o que o nosso coração ambiciona que neles esteja.

A noite passada, observando a aprendizagem que Tereza vai adquirindo do Mundo à sua volta, na inocência que ainda lhe corre nas veias, fui-me questionando sobre que futuro a aguarda. Os pontos de interrogação foram-se avolumando, na ausência de respostas satisfatórias para as dúvidas que se amontoaram.

A realidade de hoje nada tem a ver com a que enquadrava a minha juventude e a dos meus amigos da escola. Apesar da nossa insularidade, acreditávamos nas oportunidades que invariavelmente nos surgiriam. As expectativas superavam os receios e o voluntarismo dava as mãos a alguma coragem, na crença de que, de uma maneira ou de outra, costuraríamos vidas não piores do que as dos nossos pais.

A questão hoje parece-me ser a mesma ou quase: será que uma criança ou um(a) jovem, actualmente, pode aspirar, com confiança, a uma vida melhor do que a dos seus progenitores?

O Mundo indiscutivelmente já não é o mesmo e não dá abertura a projecções românticas. As tecnologias desencadearam evoluções em catadupa, algumas delas de difícil controlo humano. É futurologia gratuita traçar quadros concretos perante a incerteza que abala transversalmente continentes e gerações.

As inquietações adquirem maior relevância à medida que o tempo passa. Se olharmos pragmaticamente para o que está à nossa volta, não há grandes motivos para sorrisos esperançosos.

A Europa enfrenta uma situação peculiar. O divórcio que Donald Trump está empenhado em cavar com os aliados do Velho Continente constitui motivo de apreensão, mas esse afastamento só se revela verdadeiramente preocupante, porque a União Europeia não conseguiu, até hoje, tornar-se um corpo coeso, nas suas várias dimensões. Não chegam as boas intenções e as declarações de amizade e solidariedade de uns países em relação a outros.

Quando chegarem os chamados momentos da verdade aí se verá o que significa, de facto, a palavra coesão. É nisso que Trump aposta, cavando fossos entre as nações europeias. Os denominadores comuns, por muito sólidos que sejam, mostrar-se-ão sempre frágeis perante nacionalismos e realidades locais.

É esse contexto que me faz encarar com algum cepticismo a situação portuguesa, no médio prazo. São demasiadas as incógnitas que subsistem, no plano internacional e à escala europeia, para que, infantilmente, possamos continuar a achar que o crescimento da nossa economia é imparável e, sobretudo, aos ritmos que, à boleia de discursos eleitoralistas, são apregoados.

Não vou aqui apreciar as últimas declarações do primeiro-ministro sobre aumentos tanto do salário mínimo como do salário médio. Trata-se de uma questão de sensatez da minha parte resistir a embrenhar-me num processo de análise de intenções, que só podem ter sido inspiradas pelo espírito da quadra natalícia. A realidade aqui, mais uma vez, é que manda, indiferente a desejos mal fundamentados ou a truques políticos. É a economia e só ela, com intervenção dos seus diferentes agentes, que poderá determinar quais os parâmetros que o País consegue aguentar. O País e as empresas. O resto é conversa.

Aqui chegados, a resposta à pergunta que atrás formalizei vem recheada de intranquilidade. Portugal e o Mundo, em geral, estão agrestes. Os jovens que as Universidades e outros estabelecimentos de ensino lançam no mercado, bem como os que procuram um emprego ou lutam para o conservar, têm de se preparar para tempos de adversidade. Não irão enfrentar-se apenas uns aos outros, pois terão de vencer, também, a concorrência das máquinas. O progresso tecnológico que lhes facilita a vida é o mesmo que colocará mil e um escolhos no seu caminho. Quanto mais pequeno o país e mais dependente ele for, pior será. Maiores serão as dificuldades dos bebés de agora e maior a aceleração do desaparecimento da inocência. l

P.S. – A Warner está no centro de uma fantástica disputa. Netflix e Paramount lutam pela posse de um gigante do audiovisual, lançando para cima da mesa milhões nunca vistos.

Há naturalmente, sérias preocupações quanto aos efeitos de que uma operação do género (sobretudo, pelo lado da Netflix), possa revestir-se. Compreende-se. A concentração, a avançar, inquieta os mercados e os consumidores pelas repercussões na oferta, nos preços, na liberdade, no emprego e no pluralismo. Alguém alguma vez, admitiria a aquisição, por exemplo, da Impresa (SIC) pela Mediacapital (TVI)? Ou vice-versa.

Só o vislumbre da ideia bastaria para fazer com que caíssem o Carmo e a Trindade…